Por Ricardo Calcini e Leandro Bocchi de Moraes
Este dia 2 de novembro é reputado como feriado nacional de Finados[1], de sorte que tal temática sempre desperta inúmeros debates em razão da possibilidade ou não de se exigir o labor nessas datas.
Se é verdade que, para alguns, feriado é sinônimo de descanso, ausência de trabalho, viagens para recarregar as energias e momentos de lazer, para outros, feriado reflete efetivo dia de muito trabalho, podendo até mesmo ocorrer o desempenho de jornada especial laborativa.
Com efeito, é sabido que há atividades que não podem realmente parar — a exemplo dos serviços tidos por essenciais —, ou, ainda, pelo fato de que nesses dias o labor se torna mais conveniente e lucrativo. Tanto é assim que, de acordo com a Portaria nº 19.809, de 24 de agosto de 2020[2], os ramos de atividades empresariais que detêm autorização para a execução de serviços aos domingos e feriados foi ampliada.
Aliás, é importante lembrar que a Lei nº 10.607, de 19 de dezembro de 2002[3], que deu nova redação ao artigo 1º da Lei nº 662, de 6 de abril de 1949[4], preceitua, em seu artigo 1º, que são feriados nacionais os seguintes dias do calendário civil: 1º de janeiro, 21 de abril, 1º de maio; 7 de setembro, 2 de novembro, 15 de novembro e 25 de dezembro.
Sob esta ótica, diversos são os questionamentos e dúvidas que acometem os empregadores e empregados, tais como: o trabalhador é obrigado a laborar em tais dias? Se houver labor, o seu pagamento deverá ser dobrado? E, ainda, é possível a compensação deste dia de trabalho por outro dia na semana?
Por certo, o assunto é polêmico, tanto que foi indicado por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista desta ConJur [5], razão pela qual agradecemos o contato.
De início, frise-se que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não aborda, de forma expressa, a temática em epígrafe, conquanto preveja em seu artigo 70 a vedação do trabalho nos feriados nacionais e religiosos, em observância ao contido na legislação própria [6].
Nesse diapasão, oportunos são os ensinamentos do professor Homero Batista[7]:
“A CLT praticamente não trata do tema feriado. Há apenas uma singela referência no art. 70, dizendo que feriados serão objeto de legislação própria. No caso, foi a Lei 605/1949 quem deu ensejo a sua regulamentação.
É curioso observar que o art. 1º da Lei 605/1949 define descansos semanais remunerados como sendo o somatório dos domingos e dos feriados existentes na semana, de tal forma que tecnicamente não se fazia necessária a fórmula DRS/feriado tão consagrada no Processo do Trabalho e em recibos de pagamento. A própria noção de descansos semanais remunerados já englobava tanto aqueles quanto estes.
(…) Ocorre que a Lei 605/1949 tampouco foi responsável por fixar o rol de feriados, remetendo a questão novamente para leis ordinárias posteriores. Foi aí que a arruaça começou e até hoje quase ninguém consegue saber ao certo quantos e quais são os feriados no sentido jurídico da expressão, assim entendidos os que ensejam pagamento em dobro da hora extraordinária prestada, por exemplo. Os feriados, para piorar ainda mais a situação, foram desmembrados em diversas categorias, falando-se hoje em feriado nacional, estadual, municipal, costumeiro, regimental e forense.”
Do ponto de vista normativo, a Lei nº 605, de 5 de janeiro de 1949[8], dispõe acerca do repouso semanal remunerado e o pagamento de salário nos dias de feriados civis e religiosos, assegurando ao trabalhador o direito do DSR de 24 horas consecutivas e o respeito aos feriados civis e religiosos [9].
De outro norte, a Súmula 146 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) estabelece que o labor realizado em feriado, e não compensado, deve ser pago de forma dobrada, sem prejuízo do ordenado referente ao repouso semanal[10].
À vista disso, verifica-se que na hipótese de haver o labor em feriados, o empregador poderá: (i) conceder a folga compensatória; (ii) utilizar do acordo de compensação de jornada individual ou banco de horas; ou (iii) efetuar o pagamento em dobro do dia de labor no feriado.
A propósito, após o advento da Lei 13.467/2017, o artigo 59 celetário [11] sofreu modificações, possibilitando, desde então, a adoção do regime de compensação por meio de acordo individual escrito, ou, ainda, por ajuste de banco de horas.
De mais a mais, outra polêmica acerca do trabalho em feriado instala-se nos casos em que ocorre o labor realizado mediante escala, sendo que esta questão já foi levada aos tribunais trabalhistas. Nesse sentido, o TST, ao editar a Súmula 444, consagrou na época o entendimento de que na escala 12×36 será assegurada a remuneração em dobro dos feriados laborados[12]. Contudo, após a Lei da Reforma Trabalhista, os feriados passaram a ser tidos como compensados na escala 12×36[13].
Na mesma linha de raciocínio, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região editou duas súmulas sobre o assunto: (i) Súmula 47[14] dispõe que devem ser remunerados em dobro os feriados laborados sem folga compensatória; (ii) Súmula 58[15], a qual prevê que na escala 4×2 os feriados serão remunerados em dobro por ausência de compensação.
Portanto, se houver o trabalho em feriado, mas sem contrapartida, desde que seja concedida folga compensatória em outro dia, a remuneração em dobro não será devida. Sob esta perspectiva, o TRT da 3ª Região negou pedido de remuneração dobrada em uma reclamação trabalhista por entender que existiu a compensação do labor em feriado em outro dia[16].
Outrossim, impende destacar que, por vezes, os instrumentos coletivos trazem regramentos próprios quanto ao labor em dias feriados, já que a CLT estabelece em seu artigo 611-A, inciso XI, a possibilidade de a convenção coletiva e o acordo coletivo terem prevalência quanto à lei quando dispuser sobre troca do dia de feriado[17].
Em arremate, é forçoso lembrar que em observância à legislação vigente, assim como ao entendimento sedimentado pela jurisprudência, o trabalho executado em dia de feriado, caso não seja concedida a devida folga compensatória, deverá ser remunerado em dobro. Por isso, é fundamental que haja transparência para o desempenho de atividades nestas datas, pois, além de evitar futuros conflitos, tal conduta é imprescindível para manter um ambiente laboral saudável e equilibrado.
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[1] Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/dia-de-finados-entenda-a-origem-e-as-celebracoes-em-torno-da-data/. Acesso em 30.10.2023.
[2] Disponível em https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-19.809-de-24-de-agosto-de-2020-274641612. Acesso em 30.10.2023.
[3] Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10607.htm. Acesso em 30.10.2023.
[4] Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L0662.htm#art1. Acesso em 14.02.2023.
[5] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela Coluna Prática Trabalhista da ConJur, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.
[6] Art. 70 – Salvo o disposto nos artigos 68 e 69, é vedado o trabalho em dias feriados nacionais e feriados religiosos, nos termos da legislação própria.
[7] Direito do trabalho aplicado: Direito individual do trabalho — São Paulo: Thompson Reuters Brasil, 2021. (coleção Direito do Trabalho Aplicado, volume 2), página 953.
[8] Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l0605.htm. Acesso em 30.10.2023.
[9] Art. 1º Todo empregado tem direito ao repouso semanal remunerado de vinte e quatro horas consecutivas, preferentemente aos domingos e, nos limites das exigências técnicas das empresas, nos feriados civis e religiosos, de acordo com a tradição local
[10] Súmula 146 do TST. Trabalho em domingos e feriados, não compensado. O trabalho prestado em domingos e feriados, não compensado, deve ser pago em dobro, sem prejuízo da remuneração relativa ao repouso semanal.
[11] Art. 59. A duração diária do trabalho poderá ser acrescida de horas extras, em número não excedente de duas, por acordo individual, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.
[12] Jornada de trabalho. Norma coletiva. Lei. Escala de 12 por 36. Validade. É válida, em caráter excepcional, a jornada de doze horas de trabalho por trinta e seis de descanso, prevista em lei ou ajustada exclusivamente mediante acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva de trabalho, assegurada a remuneração em dobro dos feriados trabalhados. O empregado não tem direito ao pagamento de adicional referente ao labor prestado na décima primeira e décima segunda horas.
[13] Art. 59-A. Em exceção ao disposto no art. 59 desta Consolidação é facultado às partes, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, estabelecer horário de trabalho de doze horas seguidas por trinta e seis horas ininterruptas de descanso, observados ou indenizados os intervalos para repouso e alimentação. Parágrafo único. A remuneração mensal pactuada pelo horário previsto no caput deste artigo abrange os pagamentos devidos pelo descanso semanal remunerado e pelo descanso em feriados, e serão considerados compensados os feriados e as prorrogações de trabalho noturno, quando houver, de que tratam o art. 70 e o § 5º do art. 73 desta Consolidação.
[14] 47 – Jornada de trabalho. Escala 12X36. Pagamento em dobro dos domingos e feriados trabalhados. Os domingos trabalhados no regime de escala 12X36 não são devidos em dobro, já que se trata de dia normal de trabalho. Os feriados trabalhados, sem folga compensatória, são devidos em dobro.
[15] 58 – Escala 4×2. Previsão em norma coletiva. 12 horas diárias. Invalidade. Feriados trabalhados, remuneração em dobro. 1) É invalida a escala 4X2, prevista em norma coletiva, quando excedidos os limites legais de 8 horas diárias e 44 semanais. 2) Os feriados laborados na escala 4X2 devem ser remunerados em dobro, por ausência de compensação.
[16] Disponível em https://portal.trt3.jus.br/internet/conheca-o-trt/comunicacao/noticias-juridicas/trabalho-em-feriado-compensado-com-folga-em-outro-dia-nao-e-remunerado-em-dobro. Acesso em 30.10.2023.
[17] Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: (…). XI – troca do dia de feriado.
Ricardo Calcini é professor, advogado, parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs, TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.
Leandro Bocchi de Moraes é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD), pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho, da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).
Revista Consultor Jurídico, 2 de novembro de 2023
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