11 de dezembro, 2024

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Traidores da Pátria

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello rejeitou, a pedido da Procuradoria-Geral da República, um requerimento de partidos de oposição para que o celular do presidente Jair Bolsonaro fosse apreendido na investigação sobre sua suposta tentativa de interferir politicamente na Polícia Federal. Ao fazê-lo, o decano do STF apenas seguiu o que está na lei, que limita ao Ministério Público a prerrogativa de requerer diligências desse tipo em investigação penal, assim como havia meramente seguido a praxe ao encaminhar tal requerimento para análise do Ministério Público.

Como se sabe, esse foi um dos casos que serviram de pretexto para que o presidente da República ameaçasse descumprir ordens judiciais que considerasse “absurdas”. Quando o pedido de apreensão do celular de Bolsonaro foi encaminhado pelo ministro Celso de Mello à Procuradoria-Geral, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, emitiu uma “nota à Nação” para dizer que “o pedido de apreensão do celular do presidente da República é inconcebível e, até certo ponto, inacreditável” – como se Celso de Mello tivesse aceitado o requerimento – e para declarar que a atitude do ministro do Supremo poderia resultar em “consequências imprevisíveis” – uma explícita ameaça de ruptura institucional. Para não haver dúvidas sobre a disposição hostil do bolsonarismo, o próprio presidente avisou: “Me desculpe, senhor ministro Celso de Mello. Retire o seu pedido, que meu telefone não será entregue. Ninguém vai pegar o meu telefone”.

Diante desse comportamento irresponsável, de afronta explícita às instituições, o ministro Celso de Mello aproveitou seu despacho sobre o pedido de apreensão do celular de Bolsonaro para lembrar ao presidente sobre o dever primário de todos e de cada um dos brasileiros de cumprir as ordens da Justiça. De singelo indeferimento de uma solicitação, o despacho de Celso de Mello tornou-se poderoso manifesto em defesa da Constituição contra seus ruidosos inimigos que hoje, por infelicidade eleitoral, ocupam os mais altos postos no Executivo.

Primeiro, o ministro Celso de Mello declarou que o Supremo “não transigirá nem renunciará ao desempenho isento e impessoal da jurisdição, fazendo sempre prevalecer os valores fundantes da ordem democrática e prestando incondicional reverência ao primado da Constituição, ao império das leis e à superioridade político-jurídica das ideias que informam e animam o espírito da República”. Em outras palavras, o STF não se intimidará diante dos arreganhos dos camisas pardas do bolsonarismo.

Cabe ao Judiciário, escreveu Celso de Mello, entre outras coisas, “repelir condutas governamentais abusivas” e “impedir a captura do Estado e de suas instituições por agentes que desconhecem o significado da supremacia da Constituição e das leis da República”.

O ministro salientou que “o ato de insubordinação ao cumprimento de uma decisão judicial”, como ameaçou fazer o presidente Bolsonaro, “traduz gesto de frontal transgressão à autoridade da própria Constituição da República”. Para Celso de Mello, “é tão grave a inexecução de decisão judicial por qualquer dos Poderes da República” que, “tratando-se do chefe de Estado, essa conduta presidencial configura crime de responsabilidade”.

Por fim, o ministro Celso de Mello recordou que “a condição da guarda da Constituição da República foi outorgada a esta Corte Suprema pela própria Assembleia Nacional Constituinte, que lhe conferiu a gravíssima responsabilidade de exercer, em tema de interpretação de nossa Carta Política, o monopólio da última palavra”. Assim, as decisões do Supremo, goste ou não o presidente da República, devem ser cumpridas, mesmo que se discorde delas.

Deveria ser desnecessário enfatizar essa obrigação, que é de todos os cidadãos, a começar pelo chefe de Estado. Mas, nestes tempos estranhos, nunca é demais lembrar que descumprir uma ordem emanada do Supremo equivale a desrespeitar a Constituição. Mais do que isso: Celso de Mello, lembrando as palavras do deputado Ulysses Guimarães por ocasião do encerramento da Assembleia Constituinte, advertiu que descumprir ou afrontar a Constituição é ato de traição – e “traidor da Constituição”, disse Ulysses, “é traidor da Pátria”.

 

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