O Estado de S.Paulo, O Estado de S.Paulo
14 de maio de 2020 |
Enquanto o sr. Jair Bolsonaro finge (e mal) ser um presidente da República preocupado com o destino de todos os brasileiros, e não só com o dele e o dos que estão no seu círculo afetivo, o Brasil ultrapassou a marca de 12 mil mortos por covid-19 no início desta semana. Já são quase 178 mil casos confirmados da doença no País, fora a subnotificação.
Em vez de demonstrar empatia e juízo diante de um quadro tão desolador, Bolsonaro reforçou sua opção pela afronta e pela irresponsabilidade. Sem apresentar à Nação qualquer planejamento seguro para a retomada das atividades econômicas, o presidente tornou a vociferar contra governadores que mantêm a quarentena em seus Estados e exigiu, em termos rasteiros, a imediata volta ao trabalho. “O povo tem de voltar a trabalhar. Quem não quiser trabalhar que fique em casa, porra. Ponto final”, disse Bolsonaro à saída do Palácio da Alvorada na manhã de ontem, para delírio da meia dúzia de apoiadores que batem ponto no local.
Autoridades em saúde pública alertam que o ritmo de crescimento do número de óbitos por covid-19 no Brasil é bastante similar ao dos EUA, país que hoje lidera o triste ranking de vítimas fatais do novo coronavírus, com mais de 83 mil mortos. A continuar assim, não é improvável, dizem os especialistas, que o Brasil iguale ou até ultrapasse essa nada honrosa posição, a depender das medidas de combate à pandemia que sejam adotadas no País. A partir da confirmação do primeiro óbito (26/2), o País levou 74 dias para atingir a marca de 10 mil mortes. Os EUA, 73 dias. Embora esta diferença de apenas um dia seja desprezível, conta em desfavor do Brasil o fato de o primeiro óbito nos EUA ter ocorrido mais de um mês antes (22/1). Ou seja, ao que parece, o novo coronavírus matou mais rápido aqui do que lá, por uma série de razões.
De acordo com uma projeção feita pelo Instituto de Métricas e Avaliação de Saúde (IHME, na sigla em inglês) da Universidade de Washington, o País deverá chegar a agosto com quase 90 mil mortos em decorrência da covid-19, caso o porcentual de cidadãos que se mantêm em isolamento não aumente. Independentemente dos números projetados, que variam a depender da instituição e da metodologia, é dever do Estado, em todas as esferas de governo, e da sociedade agir, cada um na medida de suas responsabilidades, para evitar que as projeções mais funestas se tornem realidade.
É chocante ver ruas País afora apinhadas de gente, como se um vírus potencialmente mortal não estivesse em franca disseminação. Municípios que decidiram flexibilizar as regras de isolamento observaram um salto no número de casos de covid-19. Não é hora de relaxar. Mínimos descuidos podem ser fatais. “Estou vendo governadores ameaçarem a população com lockdown (bloqueio total). Isso é um absurdo”, reclamou o presidente Bolsonaro. Não é, caso as medidas adotadas até agora pelos governos locais para preservar a saúde das pessoas e a capacidade de atendimento do sistema público de saúde se mostrem ineficazes.
O País já vive as agruras das crises sanitária e econômica sem precedentes na história recente. Incapaz de ajudar, por má vontade e incompetência, Bolsonaro ainda atrapalha ao adicionar ao quadro uma crise política e federativa. O presidente ameaçou processar os governadores e prefeitos que insistem em ser responsáveis e ignoram os decretos inconsequentes que brotam do Palácio do Planalto. A autonomia dos entes federativos para tomar as ações necessárias ao combate à pandemia foi reconhecida pelo STF.
O continente americano ultrapassou a Europa em número de casos confirmados de covid-19. Os EUA têm 1,4 milhão de infectados. O Brasil, quase 178 mil. Os dois países representam 85% dos casos registrados nas Américas. Tamanha concentração de casos não é coincidência. Tanto Donald Trump como Jair Bolsonaro, este praticamente um ventríloquo daquele, desde o primeiro momento desdenharam do potencial ofensivo do novo coronavírus e fazem de tudo para sobrepor seus interesses particulares ao interesse público. Mal ou bem, os EUA já passaram pela fase mais crítica da pandemia. Triste Brasil.
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