
Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
Segundo a narrativa bolsonarista, uma das características do governo Bolsonaro seria sua interlocução direta com a sociedade. Jair Bolsonaro não precisaria de intermediários, seja em campanha eleitoral, seja no governo. Com seu jeito despojado de falar, teria colocado o Palácio do Planalto em inédito patamar de proximidade e transparência com a população. As lives semanais do presidente – com direito a sanfonas, orações e piadas de mau gosto – seriam exemplo dessa nova comunicação.
Todo esse discurso, no entanto, mais se assemelha a uma cortina de fumaça. Jair Bolsonaro colocou o Executivo federal num patamar de opacidade inédita na experiência democrática brasileira. Por exemplo, seu governo tem se recusado a cumprir, por motivos políticos, a Lei de Acesso à Informação (LAI, Lei 12.527/11). Ou seja, Bolsonaro não faz sequer sua obrigação, desobedecendo aos parâmetros mínimos de comunicação com a população exigidos pela lei.
Conforme revelou o Estado, servidores do Palácio do Planalto orientaram ministérios a avaliar o “risco político” e omitir informações nas respostas a pedidos solicitados por meio da LAI. Por exemplo, no dia 15 de junho, Danillo Assis da Silva Lima, assessor da Secretaria de Governo, editou uma resposta do Ministério da Saúde a um pedido de informação do jornal, alegando preocupação com a entrega dos dados requisitados. Eis o que Silva Lima argumentou, ipsis litteris: “Acho que não seria o caso de exemplificar, pois se informar um ofício deverá informar todos (avaliar se os ofícios oferecem algum risco político)”.
O Estado tinha pedido o nome dos deputados e senadores que solicitaram e obtiveram no Ministério da Saúde repasses com emendas do relator-geral. Eram, portanto, informações relativas a uso de recursos públicos, sobre as quais não deve recair nenhum sigilo.
Vale lembrar que a Lei 12.527/11 apenas regulamenta um direito previsto na Constituição. “Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”, diz o art. 5.º, inciso XXXIII da Constituição.
Os termos constitucionais são precisos. A população tem o direito de receber a informação, exceto se o sigilo for “imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”. Esconder uma informação sob o pretexto de que ela pode prejudicar politicamente o governo é precisamente o que a Constituição e a LAI vieram coibir.
A Lei 12.527/11 qualifica como conduta ilícita do agente público “recusar-se a fornecer informação requerida nos termos desta Lei, retardar deliberadamente o seu fornecimento ou fornecê-la intencionalmente de forma incorreta, incompleta ou imprecisa” (art. 32, I). Os documentos obtidos pelo Estado revelam que, ao responder a um pedido de informação previsto na Constituição, o governo Bolsonaro escondeu dados com base em critérios políticos, descumprindo a lei.
O caso é mais uma demonstração de que o governo Bolsonaro tem uma concepção equivocada, inteiramente inconstitucional, a respeito da informação pública. Os dados relativos ao poder público não são de titularidade do governo, como se coubesse ao governante definir o que divulga e o que não divulga – ou seja, como se o governante tivesse o direito de esconder o que lhe traz risco político. A informação é, ao contrário, um direito da sociedade.
No início do ano passado, o governo Bolsonaro extinguiu as sessões, quase diárias, nas quais o então porta-voz da Presidência da República, general Otávio do Rêgo Barros, respondia a perguntas da imprensa. Depois, em outubro de 2020, o cargo de porta-voz foi desativado. Bolsonaro exonerou Rêgo Barros da função e não colocou ninguém no lugar.
É no mínimo estranho que um governo que se diz próximo da população esteja tão preocupado em dificultar o acesso à informação. Ao esconder dados sobre seu governo, Jair Bolsonaro revela descaso com os deveres da função pública e com os direitos do cidadão. A Constituição exige transparência.
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