15 de outubro, 2024

Notícias

Home » Um país doente
Sem categoria

Um país doente

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

No fim de abril a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou uma iniciativa global – Access to Covid-19 Tools (ACT) Accelerator – para promover o desenvolvimento, produção e acesso equitativo a novos diagnósticos, terapias e vacinas contra a covid-19. O Brasil não só não se prontificou a colaborar, como poucos dias depois o presidente da República acusou a OMS de estimular a masturbação e a homossexualidade na primeira infância. Na posição em que está, o País não só perde a oportunidade de colaborar no combate global à pandemia, como corre o risco de ser preterido no processo de distribuição de eventuais vacinas e tratamentos.

Cientistas do mundo inteiro estão acelerando num ritmo sem precedentes a busca pela cura da covid-19. Desde janeiro o número de publicações tem dobrado a cada 14 dias. Após os testes laboratoriais pré-clínicos, vacinas e tratamentos são submetidos a quatro fases de testes com humanos antes de serem liberados. No momento, há seis vacinas na Fase 1 e dois medicamentos na Fase 3 – um deles, o antiviral remdesivir, já autorizado para uso emergencial nos EUA.

Mas não é suficiente encontrar e testar as fórmulas. Uma distribuição rápida e eficaz impõe desafios políticos e econômicos. A indústria farmacêutica precisa despender bilhões de dólares construindo fábricas para produzir vacinas. Como admitiu Bill Gates, cuja fundação coordena esforços pela busca da vacina, muitos desses bilhões serão perdidos. Considerando a projeção de perda de milhões de vidas e trilhões de dólares para a economia global, é um custo que vale a pena. Mas para mitigá-lo e potencializar uma distribuição rápida e equitativa a coordenação internacional é indispensável.

O Acelerador ACT da OMS foi projetado com este propósito. A iniciativa reúne governos, agências internacionais e fundações privadas. Líderes de 40 países já apoiaram a iniciativa. Só a União Europeia se comprometeu a fazer um aporte de 7,4 bilhões de euros.

Cientistas brasileiros estão fazendo a sua parte. Em meados de abril, o Estado apurou que existem mais de 70 estudos sobre o coronavírus em andamento. O País tem uma grande indústria de vacinas. Com efeito, o desenvolvimento científico no Brasil nasceu no início do século passado motivado pelo combate a epidemias e endemias encabeçado por pioneiros como Oswaldo Cruz, Emílio Ribas, Carlos Chagas e Adolfo Lutz. A OMS, por sinal, foi criada a partir de uma proposta de diplomatas brasileiros, em 1946, e foi liderada por 20 anos (1953-1973) pelo médico brasileiro Marcolino Candau. Agora, setores das ciências no Brasil se mobilizam para tentar convencer o governo a integrar o seu Acelerador ACT.

Mas o presidente e seus correligionários atuam na contramão desses esforços. Recentemente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, tentou desqualificar o diretor da OMS, Tedros Adhanom, com o argumento espúrio de que ele não foi eleito pelo povo brasileiro. Em menos de um mês, seu pai, o presidente Jair Bolsonaro, provocou a demissão de dois ministros da Saúde por se recusarem a seguir orientações contrárias à OMS e à comunidade médica.

Bolsonaro tem sido apontado por algumas das principais publicações mundiais (entre elas a revista médica The Lancet) como o “líder do negacionismo global” e “a maior ameaça ao combate ao vírus no Brasil”. Muito além do anedotário, há o risco real de o País ser isolado pela comunidade internacional como um foco da covid-19 e uma ameaça para o mundo. Estudo recente do Imperial College de Londres mostrou que o Brasil tem a maior taxa de contágio, e é possível que em pouco tempo se torne o epicentro da crise global.

A sociedade civil e as instituições republicanas precisam se mobilizar urgentemente para neutralizar o obscurantismo do Planalto e integrar o País à cooperação internacional na busca pela cura. Se o imperativo moral de solidariedade global não bastasse, o mero pragmatismo o exige: a exclusão do País desta cooperação pode excluir milhões de brasileiros da cura.

 

Comentários