11 de outubro, 2024

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Um prazo para a Lei de Cotas

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Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

A reserva de vagas para alunos de escolas públicas em universidades e institutos federais, tema de recente reportagem do Estadão, acaba de completar dez anos. Sancionada em 29 de agosto de 2012, a chamada Lei de Cotas (Lei 12.711/2012) contribuiu para ampliar o acesso de estudantes pretos, pardos e indígenas ao ensino superior − o que é bem-vindo, na medida em que as instituições federais passaram a refletir, em grau maior, a diversidade nacional, especialmente nos cursos mais disputados, como medicina e direito. Outro resultado digno de nota é que uma parcela dos jovens matriculados em escolas públicas no País viu crescer suas chances de ingressar na universidade, sem dúvida um incentivo a mais para concluir o ensino médio.

Reconhecer tais avanços propiciados pela Lei de Cotas não dispensa a sociedade brasileira de revisar esse importante mecanismo de acesso ao ensino superior. Não à toa, a própria lei previu que isso fosse feito dez anos depois da sua publicação. E por um motivo simples: a reserva de vagas, por melhor que possa funcionar, é uma excepcionalidade que só se justifica enquanto ação temporária e transitória. Afinal, a verdadeira solução para as desigualdades estruturais que travam a mobilidade social passa pela oferta de educação básica de qualidade para todos.

Em essência, a Lei de Cotas existe para possibilitar que um maior número de estudantes de grupos desfavorecidos ingresse em instituições federais. Tanto que, para ser beneficiário da lei, o critério comum a todos é ter cursado o ensino médio integralmente em escola pública. Corretamente, o mecanismo adotado na lei federal parte da premissa de que, em geral, o aluno da escola pública tem um desempenho escolar inferior ao do estudante da escola particular. Assim, sem a existência da cota, menos alunos da rede pública ingressariam nas instituições federais, perpetuando ou até agravando uma situação indesejável.

A Lei de Cotas, portanto, corrige uma desigualdade. Mas o faz de maneira artificial, uma vez que só garante o acesso dos egressos da rede pública por meio da reserva de vagas − uma espécie de “atalho” que, na prática, permite que candidatos com notas mais baixas tomem o lugar de quem obteve notas mais altas no processo seletivo. Do ponto de vista estritamente da meritocracia, essa está longe de ser a melhor solução. Por outro lado, como argumentam os defensores das cotas, tampouco faz sentido falar em meritocracia quando não há igualdade de oportunidades, isto é, quando os estudantes que concorrem às vagas partem de pontos muito desiguais, como é o caso no Brasil.

É nesse contexto que a reserva de vagas despontou como “solução”, ainda que verdadeiramente não o seja. Por força de lei − e sem avançar um milímetro na qualidade do ensino básico −, metade das vagas passou a ser reservada para egressos de escolas públicas. Dentro desse universo de estudantes da rede pública, a lei definiu subgrupos cujo acesso a universidades e institutos federais também passou a ser assegurado: estudantes de famílias de baixa renda e autodeclarados pretos, pardos e indígenas. Posteriormente, a reserva de vagas foi estendida a pessoas com deficiência. Todos, claro, com a exigência de ter cursado o ensino médio integralmente em escola pública.

Ora, ninguém em sã consciência há de ignorar que as cotas são um paliativo, jamais a resposta definitiva que a sociedade brasileira há de dar para problema tão grave como o da desigualdade educacional. É justamente por isso que a Lei de Cotas não pode ser eternizada como saída para a falta de qualidade da educação básica. É chegada a hora de o Congresso Nacional enfrentar esse debate e estabelecer um prazo para o fim da reserva de vagas em instituições federais. Que o faça com sabedoria, pactuando metas de melhoria da qualidade do ensino público e, se necessário, prevendo um período de transição longo o suficiente. Não se trata de tirar direitos de ninguém. Pelo contrário, a ideia é obrigar o Poder Público a cumprir a sua parte e oferecer à população brasileira uma educação digna de um país que pretende ser desenvolvido.

 

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