26 de setembro de 2018
O texto convida o leitor para refletir sobre o assunto da corrupção como um fenômeno global, que atualmente serve de tempero para engendrar mudanças político-sociais no mundo globalizado da sociedade da informação, baseado na participação do autor em lições tiradas de um seminário internacional, sucedido em Madri através da Universidad Computense, em fevereiro deste ano, com a participação da Associação dos Juízes Federais de São Paulo, cujo tema da corrupção como um fenômeno mundial fora abordado no âmbito europeu e brasileiro.
Em ambos os modelos nota-se que a corrupção tem efetiva conexão mundial, seja na operacionalidade e resultados de seus agentes, seja na sua perspectiva social e política de combatividade já que os reclamos da sociedade brasileira e internacional são correlatos, e de certa forma conectadas, como no exemplo europeu — a seguir.
Tal assertiva é amplamente comprovada pelo emblemático episódico da Primavera Árabe, que derrubou governos ditatoriais há décadas no poder, como na Líbia e no Egito, reclamos de mudanças e de resultados correlatos aos nacionais, em face da força da operação “lava jato” na opinião pública, ambos impulsionados pela conectividade midiática das redes sociais e da fluidez eloquente e fugaz da sociedade da informação.
Finca-se, pois, parâmetro no mundo interconectado e nas experiências institucionais internacionais, cujas vozes são concordes em sintonizar o Brasil ao contexto internacional das mudanças e reclamos políticos propugnados pela atual geração.
De início, insta registrar que a comunidade internacional é unânime ao pontuar a corrupção como um fenômeno mundial. Essa perspectiva global é marcada pelo caráter transnacional das relações atuais de toda ordem, seja de mercadorias, serviços, capital e humano, fenômeno ainda mais intenso no solo europeu, cujos tratados marcaram as quatro liberdades fundamentais na marcha das relações e integrações das 28 nações integrantes da comunidade europeia — a livre circulação de pessoas; de serviços; de capital e de mercadorias.
Nesse quadro, só é possível compreender o sistema jurídico espanhol ou o português através da análise integrada do sistema jurídico europeu. E a compreensão do fenômeno da corrupção segue a mesma lógica, por se tratar de um fenômeno global, que já imperava mesmo antes do fenômeno do globalismo.
Tamanha a integração do sistema espanhol ao sistema jurídico europeu que o professor Alonso Garcia ponderou que mais da metade da produção legislativa espanhola tem difusão ou entrelaçamento com o Direito europeu. Daí a necessidade de diálogo e interatividade entre o parlamento europeu e o espanhol; bem como da imprescindível interação entre o tribunal europeu e o tribunal espanhol.
Imprescindível, pois, para o apropriado entrelaçamento entre o Direito europeu e o espanhol, a necessidade de compartilhamento de uma série de valores, de um amálgama comum de valores e princípios. Para tanto, surgiram as diretivas, espécie normativa de indicação legislativa para cumprimento pelo Estado-membro de uma série de instituições; trata-se, assim, de um marco normativo a ser seguido pela legislação interna e pela própria Justiça do Estado-membro.
Realça Alonso Garcia, como catedrático de Direito Administrativo da Faculdad de Derecho da Universidad Complutense, que cerca de 65% dos julgamentos do tribunal europeu buscam conferir respostas aos tribunais dos Estados-membros da União Europeia sobre as mais diversas questões.
Para a repressão coordenada da corrupção, os Estados europeus são obrigados a agir conjuntamente em diversas searas, seja na jurídica, na política, na financeira e até mesmo nos serviços de notários, como observou o notário de Madri Rodrino Tena, já que os titulares devem informar o Fisco e outras entidades fiscalizatórias a respeito de transações suspeitas, sobretudo quando o pagamento provém de sociedades baseadas em paraísos fiscais, segundo os organismos internacionais ou quando a empresa não tem histórico de patrimônio sustentável.
Em face das interações com os palestrantes, constata-se que o maior problema relacionado à corrupção na Espanha é o financiamento dos partidos políticos, bem como a sua influência na nomeação dos conselheiros de Estado e até na indicação de magistrados para pontos-chave de trabalho. Apontam a estrutura excessivamente hierárquica do Ministério Público (Fiscalia), cuja crítica reverbera para uma visão mais coordenada à sua base de membros.
O arquétipo tradicionalista e monárquico da nação espanhola ainda caminha inspirado nos modelos padrões de um poder estruturado, cuja renovação é questionada pelos últimos movimentos sociais — fomentada por impulsos europeus de uma legislação macro de combate à corrupção.
Por sua vez, o contexto brasileiro, em especial a eficácia das últimas operações e condenações, aponta como fonte de inspiração às demais nações, dado o último embate das operações de combate à corrupção no país, em escala de primeira grandeza na estrutura de poder político com resultado nunca antes visto aos olhos internacionais.
As mídias apontam essa transparência e esse escalonamento pragmático do combate à corrupção no Brasil, cuja eficácia só fora efetiva através de novos institutos positivados nos últimos anos, entre eles a delação premiada, os acordos de leniência, a Lei Anticorrupção, cuja vertente mais eficaz fora o combate aos corruptores e a evolução da consciência social e política da sociedade da informação.
Não obstante, imperativo pontuar que os tribunais do país em muito contribuíram para atingir “poderosos nunca antes atingidos”, mas sem se esquivar da necessária correção de alguns vícios processuais para manter o aclamado equilíbrio entre as garantias processuais e constitucionais e o jus puniendi estatal, ao julgar a pretensão punitiva legítima tão somente com base em provas reais e concatenadas, legitimamente obtidas e em sintonia com as garantias judiciais — sem favoritismos ou ideologias, através da leal dicção do direito como função do Judiciário impessoal, e não como um “messianismo” de personalidades.
De outra banda, não há como negar tentativa de algum setor da mídia internacional de propagar matérias confusas ou com viés destorcido no trato das informações ao público sobre os acontecimentos no Brasil, quiçá por razões ideológicas, ou até por motivos imponderados.
Dada a ineficiência firmada pela Lei administrativa 8.666/93 (sobretudo antes das reformas), o campo de ação da corrupção surge no âmbito do financiamento eleitoral, bem como no escuso compadrio empresarial, cunhada como empresário de compadrio com o setor público. Para realinhar esse cenário, as reformas legais são imprescindíveis nesses três aspectos: o eleitoral, em sua perspectiva de financiamento das campanhas eleitorais; as reformas de fundo na Lei 8.666 e no terceiro setor; além da efetiva fiscalização pelo Cade e TCU.
Assim, somente com a positivação de efetiva transparência às contas públicas e ao setor administrativo, em cotejo com a efetiva responsabilização civil e penal das empresas envolvidas em desvios, ter-se-á um melhor quadro institucional de combate à corrupção.
Com a positivação da Lei 12.846/13 (conhecida como Lei Anticorrupção), regulamentada pelo Decreto 8.420/15, os programas de complianceganharam fundamental importância para as empresas brasileiras e tiveram a relevância ampliada para as empresas estrangeiras atuantes no Brasil (tais como, por exemplo, o Foreign Corrupt Practices Act – FCPA e o UK Bribery Act), já possuíam estruturas de compliance instaladas e em funcionamento.
Os programas de compliance foram definidos pela legislação brasileira como “mecanismos internos de integridade” e estabelecem um conjunto de procedimentos internos implementados pelas empresas com o intuito de evitar, detectar e sanar a prática de desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos em geral.
A lei anticorrupção não se restringe somente às organizações que participam de licitações e que celebrem ou mantenham contratos com entes públicos e se aplica a toda e qualquer sociedade (independentemente de sua forma de organização), fundação, associação ou sociedade estrangeira, que tenha estabelecimento ou representação no Brasil e que, no âmbito de qualquer relação com um ente público, venha a praticar um ato lesivo.
Fiel a esse quadro, a judicatura brasileira não está em marcha alheia aos reclamos internacionais, mas fiel a esses, frente aos dados empíricos recentes, estruturados com respeito aos tratados internacionais que regem o tema, mas realço que sua operacionalidade é dinâmica e, como tal, imperativa sua atualização, sem se descurar das garantias constitucionais.
Douglas Gonzales é juiz federal e professor universitário.
Revista Consultor Jurídico, 26 de setembro de 2018
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