Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
A drástica situação causada pela pandemia do novo coronavírus, que agravou a crise social e econômica na qual o País estava imerso, evidencia a necessidade de uma atuação responsável e abrangente do Estado na assistência aos mais vulneráveis. “Agora, aconteceu uma coisa que impede de fingir que estamos em um país de igualdade de oportunidades”, disse Ricardo Paes de Barros, professor do Insper e economista-chefe do Instituto Ayrton Senna, em entrevista ao Estado/Broadcast, referindo-se aos diferentes efeitos da pandemia entre as classes sociais.
A discussão sobre a continuidade do auxílio emergencial de R$ 600, previsto inicialmente para durar três meses, deve servir para uma avaliação madura e responsável de todos os programas sociais do governo. “A gente tem de aproveitar o momento para unificar todos os programas”, disse Paes de Barros.
Entre outros benefícios, a unificação bem feita dos programas sociais pode trazer maior transparência dos gastos, melhor controle do grau de focalização – se está recebendo o benefício quem de fato precisa receber – e um acompanhamento mais preciso de sua eficácia. Além disso, “com uma rede fragmentada como é hoje, dependendo da situação, o trabalhador recebe um benefício ou outro. A transição entre os programas não é muito clara. O trabalhador está sempre com medo de perder o Bolsa Família com carteira assinada. À medida que unifica e a transição é mais disciplinada e garantida, vai dar mais segurança”, disse o professor do Insper.
O desafio é enorme, mas o País tem condições, com os recursos de que dispõe, de erradicar a pobreza e a extrema pobreza. “Ao longo das últimas décadas, criamos uma potente rede de proteção social. Se juntarmos tudo, Bolsa Família, abono salarial, salário família e seguro-desemprego, entre outros programas, chegamos a mais de R$ 100 bilhões por ano”, avalia Paes de Barros. “Não é muito difícil para o Brasil não ter nenhuma pessoa com renda abaixo de R$ 200. Do ponto de vista fiscal, do que a gente gasta hoje, isso é possível.”
Mas só transferência de renda não acaba com a miséria. “A grande saída da pobreza do Brasil (…) é uma combinação de transferência de renda com inclusão produtiva e garantia de direitos”, lembra Paes de Barros. Não há desenvolvimento social – não há verdadeira assistência social – sem inclusão produtiva do cidadão. Só assim, com uma ocupação digna, ele poderá incrementar sua renda e alcançar sua autonomia. Por isso, junto a um programa de renda mínima, ou qualquer outro modelo assistencial que venha a ser adotado, deve haver programas de desenvolvimento humano, capazes de abrir janelas de oportunidades e portas de saída.
Para muitos, infelizmente, programa social tornou-se sinônimo de assistencialismo. Tal estreitamento é resultado, em boa medida, do modo populista e eleitoreiro com que partidos políticos, especialmente o PT, trataram do assunto nos últimos anos. Políticas sociais foram deturpadas. Em vez de promoverem o desenvolvimento social, serviram para promover candidaturas. Recentemente, viu-se outra modalidade de deturpação, com a Caixa Econômica Federal usando o auxílio emergencial para ampliar a bancarização. Uns querem fazer eleitores; outros, clientes.
É preciso resgatar o genuíno sentido da assistência social do Estado. Por exemplo, o mérito de um Estado de Bem-Estar Social sustentável não está na quantidade dos excluídos assistidos, como muitas vezes aparece nas propagandas eleitorais. A responsabilidade social de um governo é mais bem aferida, por exemplo, pelo número de pessoas que são verdadeiramente incluídas na sociedade e no mercado de trabalho.
A Constituição define, entre os objetivos fundamentais da República, a erradicação da pobreza e a diminuição das desigualdades sociais. A assistência social não é um tema acessório. Da mesma forma que não há cidadania sem trabalho, também não há cidadania sem cuidado com o outro. Não existem cidadãos de segunda classe. Todos importam, não devendo ninguém ser invisível para o Estado.
Comentários