12 de fevereiro, 2025

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Universo lulocêntrico

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

Causou furor a foto do encontro entre os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva. Em meio a reprimendas ao tucano por se deixar flagrar em confraternização com aquele que há décadas o maltrata, e também por declarar voto no petista num eventual segundo turno da eleição presidencial de 2022 muito antes do primeiro turno, especulou-se sobre as razões e os efeitos desse gesto de FHC.

Seja lá o que tenha motivado FHC a se aproximar de Lula da Silva, contudo, uma coisa é certa: a iniciativa do tucano confirma suas indiscutíveis credenciais democráticas, sua generosidade e sua fé na política civilizada como mecanismo de atenuação de discordâncias para a formulação de políticas públicas dignas do nome.

É uma pena que a recíproca não seja verdadeira, e jamais será. Se um candidato tucano aparecesse nas pesquisas como capaz de derrotar o presidente Jair Bolsonaro na eleição do ano que vem, o PT de Lula da Silva certamente se recusaria a apoiá-lo – e o demiurgo de Garanhuns nunca se deixaria fotografar ao lado de FHC ou desse candidato nem declararia voto no tucano no segundo turno, ainda mais tanto tempo antes da eleição.

Não se trata de especulação, mas de constatação a partir dos fatos. O partido de Lula da Silva trabalhou com vigor pelo impeachment de FHC em seus dois mandatos presidenciais. Qualquer pretexto era considerado válido na estratégia petista de sabotar o governo tucano, inclusive fomentar manifestações claramente golpistas. Na oposição, aliás, o lulopetismo tratou todos os governos como ilegítimos.

Uma vez no poder, Lula da Silva e seus devotos trataram de vilipendiar todos e tudo o que os havia antecedido, em especial o governo de FHC, a quem acusavam de legar ao País uma “herança maldita”. O governo do PT seria uma espécie de marco zero civilizatório, restando aos governantes anteriores contentar-se com o opróbrio da história.

Para chegar ao poder e lá se manter, o lulopetismo, sob a liderança inconteste de seu chefão, tratou de caracterizar como inimigos do “povo” todos os que não o reconheciam como movimento messiânico. Em inúmeras oportunidades, Lula da Silva referiu-se aos eleitores que não votavam no PT como “eles”, como se fossem intrusos no país perfeito que o lulopetismo pretendia construir.

Fernando Henrique Cardoso sempre foi, e continua sendo, um desses intrusos no peculiar “obreirismo” de Lula da Silva – que só se relaciona com a elite intelectual e “burguesa” e empunha as bandeiras do “proletariado” na exata medida de seus projetos pessoais de poder.

Nesse espírito, Lula da Silva nunca aceitaria a formação de uma frente democrática contra Bolsonaro que não fosse liderada por ele mesmo. Em sua concepção, somente ele seria capaz de garantir o caráter democrático e autêntico de qualquer movimento político.

E não se pense que esse lulocentrismo se manifesta apenas no caso dos tucanos e de outras forças políticas de centro. Mesmo à esquerda o lulopetismo só enxerga legitimidade popular quando os projetos são encabeçados pelo PT. O PSOL, uma das tantas dissidências petistas, que o diga.

Assim, Lula da Silva não se permitiu fotografar com FHC por desprendimento histórico, depois de tantos anos dedicando-lhe animosidade, e sim por frio cálculo político: o chefão petista exibiu a aproximação do veterano tucano como uma espécie de atestado de idoneidade e de espírito democrático, para tentar atenuar o antipetismo solidamente estabelecido entre o eleitorado.

Com sua atitude, FHC provavelmente quis enfatizar os imensos riscos que o País corre caso resolva reeleger o presidente Bolsonaro, e para isso não titubeou em estender a mão a quem jamais o respeitou como deveria. Já para Lula da Silva e os petistas, Bolsonaro é apenas a consequência do “golpe” promovido pelos inconformados com a chegada do PT ao poder; logo, evitar a vitória de Bolsonaro só faz sentido, para os petistas, se Lula voltar à Presidência.

Na famosa foto do encontro entre FHC e Lula, portanto, só há um verdadeiro democrata.

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

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