Karina Lignelli
Presidente eleito da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) para o triênio 2023-2026, o advogado Roberto Mateus Ordine, que há 40 anos atua na entidade, é um profundo conhecedor do dia a dia e das lutas do micro e pequeno empresário.
Ao assumir o novo cargo na última sexta-feira (31/03), o novo dirigente prometeu dar continuidade aos projetos de governança corporativa e compliance com foco na modernização da ACSP, colocados em prática na gestão anterior, comandada por Alfredo Cotait Neto, da qual foi o primeiro vice-presidente.
Mas já sinaliza planos para o curto e médio prazos – como dar novo fôlego à área de comércio exterior da entidade. E investir em novos serviços, como seguros mais em conta para facilitar a vida do pequeno empresário, por exemplo.
O novo dirigente também quer reforçar o papel da ACSP como responsável pela qualificação de jovens aprendizes após a aprovação de Projeto de Lei que permite que eles atuem nas micro e pequenas empresas. Pretende ainda usar a força da entidade para ajudar o poder público na revitalização das ruas do Centro.
Porém, a luta contra uma velha inimiga – a alta carga tributária – continuará a ser uma das prioridades da gestão Ordine. Principalmente após o anúncio do novo arcabouço fiscal pelo governo Lula.
Em sua opinião, ainda é cedo para falar do projeto, pois, enquanto não se tem conhecimento dos gastos do governo, tudo será mais difícil de ajustar. “Se eu não cuidar da minha receita com critério, não vou conseguir honrar a despesa a pagar”, afirma. “O Estado, quando não tem receita para cumprir com suas obrigações, mexe com o seu, o meu e o bolso de todos os cidadãos. Esse aumento excessivo é que temos que combater.”
A seguir, Roberto Mateus Ordine detalha ao Diário do Comércio como iniciará sua gestão e quais os próximos passos para, segundo suas próprias palavras, colocar a centenária ACSP “100 anos à frente”:
No final de 2019, a ACSP mudou o estatuto e entrou na era da governança corporativa. Quais seus planos e perspectivas nesse início de mandato?
Em primeiro lugar a continuidade. Trabalhamos com os lemas de renovação, educação e tecnologia, e com base nisso temos um programa de trabalho focado em três pilares: um é o varejo, que devemos entender como o comércio em geral, e o segundo são as distritais, porque funcionam como braços da ACSP nas comunidades, nos bairros. Já o terceiro é o comércio exterior, que também precisa entrar em uma nova era. Para isso, convidamos o [ex-presidente] Alfredo Cotait, que deixa a presidência para organizar melhor essa parte, trazendo de volta o velho sonho da SP Chamber of Commerce [da qual foi um dos idealizadores], criado lá atrás pela ACSP, para que tenha um dinamismo ainda maior.
Pode detalhar melhor como será esse novo impulso à SP Chamber ?
Agora, no cargo de vice-presidente da ACSP, Cotait vai liderar um trabalho mais completo na área, independente das atribuições que já tem como presidente da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (Facesp) e da Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB)
Em resumo, ele se dedicará à SP Chamber como responsável, pelo menos nesse período de reorganização. O seu compromisso é colocar em ordem e ampliar a projeção desse setor na ACSP. Ou seja, o que não deu para completar nos seus dois mandatos, deve continuar agora.
Mas o que faltou colocar em prática na área que deve ser retomado em sua gestão?
O nosso sonho para o comércio exterior é levar cada vez mais micro e pequenas empresas para o mercado internacional. As grandes já têm estrutura, mecanismos para isso, mas as pequenas têm dificuldade – mesmo com potencial muito grande. Nós temos pequenos fabricantes, comerciantes que têm condição de exportar bens que não são só commodities, mas expandir essa atuação para materiais prontos, acabados de moda por exemplo, ou de qualquer outro setor. Temos alguns que já fazem isso, mas são verdadeiros heróis, que enfrentam esse mercado soltos, sem qualquer estrutura. É essa estrutura que queremos ampliar, sempre voltada ao pequeno empresário.
O senhor tem 40 anos de ACSP, e já disse que, mesmo centenária, sua modernização tem o objetivo colocá-la “100 anos à frente”. Como definiria a ACSP hoje?
Como acontece com toda entidade, a gente vem mantendo as tradições. Mas é preciso também que exista uma adequação aos tempos modernos. Não podemos falar com o empreendedor nem com a sociedade com a mesma linguagem de 128 anos atrás. E digo mais: nem com a de 40, nem a de 20 anos. Por isso os ícones da nossa gestão serão educação e a inovação para esse novo mundo através da instrumentalização, da capacitação pela tecnologia.
Tenho acompanhado a evolução do comércio nesse tempo todo que estou aqui, e muitos ainda mantêm a mesma tradição: abre a loja de manhã cedo, faz a limpeza, organiza os produtos… Será que nesse mundo moderno temos que manter o mesmo modelo? Ou será que é preciso uma visão diferente?
Como a ACSP pode ajudar a mudar essa mentalidade?
Vou explicar. Acabei de receber esse dado: hoje, 37% do PIB do comércio dos Estados Unidos são gerados virtualmente. Ora, se lá são quase 40%, aqui nós temos muito o que correr atrás. Com o nosso otimismo de brasileiros, vamos admitir que estamos próximos de 15% disso, então falta muito ainda para alcançar o patamar desses mercados mais adiantados. E para isso, temos que instrumentalizar, capacitar o comerciante.
O comércio de bairro foi afetado mais do que imaginamos pela pandemia. Para se ter uma ideia, lojas que já estavam na terceira geração, se não fecharam estão bem perto disso. Porque o mundo mudou. E o que devemos fazer é incrementar essa atuação, oferecendo assessoria e serviços para quem não pode investir muito. Temos tudo isso pronto sobre e-commerce, store in store, franquias… E vamos dar essa capacitação através da educação e do trabalho.
O senhor pode citar alguns desses serviços?
Hoje temos a Faculdade do Comércio (FAC-SP), um instrumento para poder transferir esse know-how para o comerciante. Além disso, temos uma base de serviços aos associados que é uma espécie de “Poupatempo”, mas que chamamos de Balcão do Empreendedor (na Jucesp da sede da ACSP e nas 15 distritais), onde em um só lugar o empresário consegue resolver boa parte da burocracia inerente ao seu modelo de negócio, ou receber assistência por meio de serviços como os do Cemaac, por exemplo.
Também teremos um programa de qualificação para o micro e pequeno empresário que é MEI, dentro de uma plataforma que desenvolverá e prestará serviço para esse público. Hoje, em São Paulo, temos aproximadamente 4 milhões de MEIs – figura jurídica que nasceu aqui na ACSP –, que ainda necessitam de apoio para entender quais as obrigações necessárias para manter um negócio.
Além dos produtos que a ACSP já oferece (relativos ao crédito, à educação e até um hub de inovação para startups), quais as novidades no radar para ampliar essa gama ao empreendedor?
Temos mais de 15 serviços já implementados, mas todo dia buscamos novos. Por exemplo, devemos trazer um seguro especial para o empresário, com modalidades como o funeral, ou o de viagem para o exterior. A ideia é que sejam serviços ‘baratos’, de olho no que o empreendedor precisa para facilitar o dia a dia dos seus negócios. Sempre trazemos e testamos para ver qual tem melhor adesão, para investir neles e fazer parcerias para adequá-lo ao que o empresário precisa.
O senhor pode dar exemplos de algumas dessas parcerias?
Além das parcerias de serviços, temos uma com o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) desde 2008, em que instalamos na Distrital Centro um tipo de atendimento para a resolução de pequenas causas de pessoas físicas que não têm recursos. Esse serviço foi tão vitorioso que, para desafogar, o TJ-SP trará para nós também a resolução de questões relativas a pequenas causas de pessoas jurídicas.
O senhor sempre destacou o papel da ACSP na formação de cidadãos. O projeto Camp (Centro de Aprendizagem e Melhoramento Profissional) está no centro disso. Como ele está hoje, e como o senhor trabalhará isso na sua gestão?
Hoje estamos aguardando a aprovação por parte do governo do projeto de inclusão do Jovem Aprendiz na pequena empresa. Por isso, o Camp (que hoje é realizado nas distritais) vai passar por uma requalificação de mão de obra, pois somos nós que vamos oferecê-la para esse projeto. E falando em revitalização, estamos com um projeto para o Centro que deve ser o primeiro a ser implantado.
Agora a revitalização do Centro deve acontecer? Pois já foram apresentados diversos projetos no CPU (Comitê de Política Urbana da ACSP) que, pelas trocas de gestão municipal ou estadual, não andaram.
É porque agora estamos fazendo o inverso: essa é uma iniciativa da sociedade representada pela ACSP. As entidades governamentais só terão o papel de aplicar a legislação nos projetos aprovados.
O financiamento virá de onde?
Boa parte será da sociedade, por meio de grandes empresas, grandes conglomerados que vão participar e investir no programa. Mas também vamos atuar junto ao pessoal do Estado e da Prefeitura, para facilitar a liberação dos projetos e conceder benefícios fiscais.
Dá para dizer que é uma PPP (Parceria Público-Privada) então?
Não é PPP, mas é um projeto conjunto, em que o CPU da ACSP será uma das participantes na área técnica. Como entidade, nós vamos propagar e promover o que chamamos de “Marco Zero”, que é trazer empresas para o Centro com ISS menor do que nas regiões em que atuam hoje.
Essa é a promoção, que terá três etapas. Não podemos mexer na parte de impostos, mas podemos fazer a ponte para atrair essas empresas para atuarem no Centro, mostrando como exemplo projetos de sucesso que já existem pelo mundo e no Brasil.
Quais serão essas etapas?
A primeira etapa é a campanha de conscientização, por meio de peças publicitárias, para sensibilizar a sociedade. Não podemos mais ver uma pessoa dormindo nas ruas do Centro e passar ao lado dela como se fosse um embrulho. Não podemos nos habituar a isso e achar normal.
Por isso, a segunda etapa é dar sustentação a essa campanha, criando um programa de resgate da dignidade e cidadania das pessoas que estão em situação de rua.
Já a terceira é a política de urbanização em si, para fazer o que tem que ser feito em relação à limpeza, zeladoria e reformulação da estrutura, como a do piso das ruas do Centro. A Prefeitura tem verba pra isso, e estamos formando um grupo de entidades e autoridades para que esses problemas não sejam ampliados ou o projeto seja interrompido por alguma decisão judicial.
Na última semana o governo Lula anunciou o novo Marco Fiscal. Quais as principais pautas político-econômicas que a ACSP deve priorizar na sua gestão?
Isso, o arcabouço fiscal. Nesse caso, primeiro nós vamos conhecer os detalhes. Nós queremos e esperamos que esse processo seja bom. Mas, e não é a ACSP, é a minha opinião: enquanto nós não conhecermos os gastos do governo, tudo vai ser difícil de ajustar. Porque na minha casa, ou na sua, temos despesas e receitas. Se eu não cuidar da receita com critério, não vou conseguir honrar a despesa a pagar. E o Estado, quando não tem receita para pagar, mexe com o seu, o meu e o bolso de todos os cidadãos.
Hoje nós estamos com uma carga tributária de 33,7%, ou seja, para cada R$ 100 que a economia gera, praticamente R$ 34 é de imposto direto e indireto. Isso não tem fim. Na maioria dos demais países do mundo, essa carga está em torno de 20%, salvo uma ou outra exceção. Mas o nosso contribuinte, além de pagar tudo isso, tem que se preocupar com plano médico, educação…
A carga tributária continuará a ser uma das principais pautas da ACSP. Quais as suas perspectivas em relação a esse cenário?
Sempre fui um otimista, mas vamos ter dificuldades. Além desses desafios tributários, há o de crédito para o comércio, o de mecanismos de defesa para que o empresário não seja trucidado por políticas desastrosas… Basta lembrar [da crise de] 2014. Isso não é justo num país rico como o nosso. Se você tem um país pobre que chega a um desastre econômico, ou se isso acontece em casa, vamos fazer um empréstimo ou outra coisa para se sustentar. Mas esse não é o caso do Brasil: o Brasil é rico.
O que podemos fazer é trabalhar para aumentar a produção, e não a arrecadação. Porque aumentando a produção do comércio e da indústria, todos os serviços geram receita para pagar. Em uma economia de escala, em vez de pagar 37%, é possível pagar 20%. É esse aumento excessivo da arrecadação que temos que combater.
Qual será o papel do Diário do Comércio em sua gestão?
Sempre foi, e sempre será a menina dos olhos. Ainda mais agora, já que em 2024 ele completará 100 anos. Temos que fazer um trabalho muito mais forte em prol do empreendedor do que já estamos fazendo. Afinal, um jornal que vai completar 100 anos jamais pode ser diminuído.
Comentários