É fundamental concluir algo relativo à reforma tributária, tema que transcende em importância às questões político-partidárias de momento e é crítico para resgatar um mínimo de racionalidade nos processos e legislações que o envolvem.
A repetida expressão “manicômio tributário” é a melhor representação do inaceitável cenário atual.
Saiu da Câmara com positiva aprovação a versão tida como possível e tentando conciliar tantos e tão diversos interesses envolvidos no tema, distorcidos e ampliados nos últimos 35 anos. E que será agora discutida no Senado e sujeita a mudanças que podem determinar sua aprovação definitiva ou retorno à Câmara.
Na sua essência, em seu aspecto mais positivo, cria condições para a simplificação e racionalização de todo o processo, que é um tema fundamental. Ainda que o Senado nesta semana tenha aprovado uma simplificação mais básica, em projeto do então deputado e hoje senador Efraim Filho que pode caminhar em paralelo à aprovação dessa outra reforma muito mais abrangente. E, consequentemente, muito mais complexa.
Essa proposta de reforma aprovada nesta semana na Câmara tem um viés de resgate da competitividade do setor industrial, importante no seu conceito, desde que não imponha distorções para outros setores como o de serviços, que inclui o comércio e o varejo, os maiores empregadores privados do Brasil, e o agro.
Tomando como exemplo a indústria automobilística, em 2019 trabalhavam diretamente nesse segmento 106,7 mil pessoas. No ano de 2022, eram 101,9 mil, o que representa uma redução de 4,5%. E tudo indica que haverá constantes reduções pela incorporação cada vez maior de tecnologia e robótica nos processos produtivos.
De outro lado, um só varejista, o Carrefour, depois da compra do Grupo Big em 2021, se tornou o maior empregador privado no País, com mais de mil pontos de venda e 150 mil funcionários diretos, ou seja, 50% mais do que toda a indústria automobilística operando no Brasil.
Mas foi a indústria automobilística que recebeu decisiva e direta ajuda na forma de incentivos quando ameaçaram demitir e fechar fábricas.
Por isso é sempre fundamental lembrar que, de forma inevitável, uma sociedade ou uma economia, quando cresce, amadurece e se desenvolve, tende a aumentar a participação de serviços, incluindo comércio e varejo, no seu PIB.
No caso brasileiro, temos a componente diferenciada da crescente representatividade do setor agro, que configura uma realidade própria no cenário global.
E a atual reforma tributária privilegia o setor industrial do Brasil, algo solidariamente importante, porém sobretaxando serviços e o próprio setor agro, aqueles que mais têm gerado emprego e, no caso do agro, crescimento econômico.
São estimados adicionais R$ 480 bilhões de impostos para o setor de serviços, que inclui o comércio e o varejo, e R$ 20 bilhões para o agro, como recentemente pontuou Ricardo Amorim.
Dentre os temas que despertam preocupação sobre o impacto no varejo e no consumo nessa proposta de reforma, existem muitos pontos que só serão definidos posteriormente, o que é motivo de clara preocupação.
No momento, temos um ambiente em que não se fez a reforma administrativa antecedendo a reforma tributária e, portanto, temos distorções nos três poderes que deveriam ser corrigidas antes de adequar a proposta de arrecadação para sustentar essa situação.
Ponto crucial na proposta deveria ser a redução da informalidade no varejo e no consumo, situação atual que obriga que as empresas formais paguem pelas informais para a alcançar a arrecadação necessária para manter o Estado. Nesse tema o avanço é tímido e, ao contrário, ao não considerar a substituição tributária, gera a perspectiva de piorar o que temos hoje.
Pelo mecanismo da substituição tributária, a arrecadação é feita na indústria de determinadas categorias e produtos, em vez de no varejo dos mesmos.
Em vez de monitorar, por exemplo, o tributo em milhares de bares, restaurantes, foodservice ou lojas de produtos pet ou material de construção, o controle é feito junto aos fabricantes e fornecedores dos produtos a serem comercializados, reduzindo a informalidade existente nesses segmentos.
Outro ponto crítico em que, felizmente, foram corrigidas distorções contidas nas propostas originais diz respeito à taxação de produtos da cesta básica de alimentos.
Muito ainda será definido ou alterado no processo de avaliação no Senado e posteriormente nas regulamentações previstas, mas significa algum avanço. Talvez, sendo realista, o avanço possível no atual cenário.
Mantido o conceito de que não haverá aumento da carga total de impostos que foi acrescida nos momentos finais de aprovação, é crítico que os setores de varejo e consumo se mantenham mobilizados para evitar que sejam os mais sobretaxados, uma vez que médias sempre escondem potenciais distorções.
É fundamental lembrar que o comércio e o varejo não pagam os impostos, apenas os recolhem, pois, de fato, é a população que, direta e indiretamente, paga os mesmos.
Vale refletir.
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Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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