Fabíola Marques
No último dia 13 de novembro, a OAB-SP e mais 63 entidades, dentre elas, associações de advogados, juízes e procuradores do trabalho, centrais sindicais e sindicatos, divulgaram uma carta pedindo ao STF (Supremo Tribunal Federal) respeito e observância ao artigo 114 da Constituição.
A “Carta em Defesa da Competência Constitucional da Justiça do Trabalho” [1] — que pode ser assinada por qualquer pessoa e já conta com mais de 2.000 assinaturas — manifesta a apreensão das entidades signatárias em face das violações à competência constitucional da Justiça do Trabalho e à enorme insegurança jurídica provocada pelas recentes decisões do STF.
De fato, as últimas decisões do STF em matéria trabalhista, bem como as declarações de alguns ministros, em veículos de comunicação, são situações inéditas e preocupantes para a estabilidade do direito do trabalho; equidade tributária; arrecadações previdenciárias e fiscais; livre concorrência; além de impactar nos direitos sociais garantidos constitucionalmente.
A imagem que o Supremo tem passado à sociedade brasileira da Justiça do Trabalho é equivocada e capaz de propiciar um ambiente hostil e de instabilidade jurídica.
Não é de hoje que a Justiça do Trabalho sofre ataques, ameaças de extinção, imputação de responsabilidade pelos percalços econômicos do país ou, a culpa pelos altos índices de desemprego e aumento de informalidade, por parte de setores do empresariado, do poder executivo ou, legislativo, a depender do poder político de plantão.
A responsabilidade por tais questões, entretanto, não é da Justiça do Trabalho, nem tampouco da legislação trabalhista (vide a reforma trabalhista de 2017, pela Lei nº 13.467, que prometeu criar mais de 6 milhões de empregos [2] e não cumpriu), mas sim da economia e da desigualdade na distribuição de renda.
Ademais, a Justiça do Trabalho tem por objetivo dirimir os conflitos decorrentes das relações de trabalho ao exercer jurisdição especializada e proteger os trabalhadores de eventuais violações de direitos.
Ocorre, como já afirmado em coluna anterior [3], que o STF vem cassando decisões trabalhistas que reconheceram a existência de vínculo empregatício decorrente da fraude na contratação de pessoa jurídica.
O fenômeno da terceirização, presente há décadas nas relações do trabalho, foi normatizado pela Lei n. 13.429/17 e referendado pelo STF, no Tema 725 de repercussão geral, que firmou o entendimento de que a terceirização dos serviços pode ocorrer, inclusive, quando se tratar da atividade-fim da empresa.
A situação está posta e, não há mais decisões proferidas na Justiça do Trabalho contrárias à possibilidade de terceirização de atividade-fim e ao Tema 725 do STF. Assim, as empresas que desejam optar pela transferência de suas atividades principais para terceiros, estão amplamente amparadas pela Lei e pela Justiça do Trabalho, não havendo mais polêmicas sobre o assunto.
É importante esclarecer que na terceirização existem três partes envolvidas na contratação: a cliente (empresa que contrata os serviços), também chamada de tomadora dos serviços; a terceirizada ou prestadora dos serviços, que é a empresa que fornece os serviços; e, o trabalhador, que é a pessoa contratada pela empresa terceirizada, mas presta serviços ao cliente.
Porém, algumas empresas, para não se verem forçadas ao cumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias (como férias, 13º salário, recolhimento de FGTS e contribuições sociais), contratam o empregado como “pessoa jurídica”, mas, na prática, exigem a prestação de serviços pessoal e habitual, de forma subordinada e mediante o pagamento de salário.
Deste modo, mascaram a relação de emprego por meio da assinatura de um contrato de prestação de serviços, no qual o empregado é obrigado a constituir uma “pessoa jurídica”, receber seu salário mediante a apresentação de notas fiscais, para evidenciar existência da terceirização.
A contratação de um empregado travestido de pessoa jurídica é o que se costuma chamar de “pejotização”, já que o trabalhador, para conseguir o emprego, se submete às exigências do empregador.
E é contra esta fraude que a Justiça do Trabalho pode ser acionada em razão de sua competência para julgar e dirimir os conflitos decorrentes das relações de trabalho (inciso I do artigo 114, CF).
Ademais, o artigo 9º da CLT determina que todo ato praticado com o intuito de desvirtuar a legislação trabalhista é nulo. Assim, após a análise minuciosa do conjunto probatório, poderá o magistrado trabalhista se convencer da ocorrência de fraude e, consequentemente, declarar nula a relação jurídica firmada entre as partes para reconhecer a existência de vínculo empregatício.
Portanto, o que vem afligindo os operadores do direito são as decisões monocráticas dos ministros do STF que estão invalidando os julgamentos dos magistrados do trabalho, julgando as reclamatórias improcedentes e determinando a remessa de tais processos para a Justiça Comum, em total afronta ao inciso I do artigo 114 da CF.
Diante de tais decisões, o trabalhador vítima de fraude está desamparado. Ainda que as provas apresentadas demonstrem cabalmente a existência de fraude e o direito ao vínculo empregatício, o cidadão tem seus direitos básicos violados.
Por fim, é urgente que a sociedade se una para que tais violações de direitos não ocorram, para que a Justiça do Trabalho seja respeitada e assim, garanta aos trabalhadores o respeito de seus direitos básicos.
[1] https://chng.it/25WYDhGzt6
[2] https://g1.globo.com/economia/noticia/nova-lei-trabalhista-vai-gerar-mais-de-6-milhoes-de-empregos-diz-meirelles.ghtml
[3] https://www.conjur.com.br/2023-set-01/reflexoes-trabalhistas-stf-analise-competencia-justica-trabalho/
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