(*) Alvaro Furtado
O fascínio por prever o vencedor de uma competição não é um fenômeno moderno. Há registros do Antigo Egito de práticas de atividades relacionadas a apostas, envolvendo competidores que lançavam pedras e flexas no rio Nilo. Saía ganhador aquele que conseguisse lançá-los à maior distância.
Agora, no século XXI, o Brasil tem testemunhado um crescimento alarmante das apostas online, que se tornaram uma forma popular de entretenimento, especialmente entre os jovens. No entanto, essa prática traz consigo uma série de malefícios que não podem ser ignorados, especialmente no que diz respeito ao vício e ao endividamento de muitos brasileiros.
Historicamente, as apostas no Brasil têm raízes profundas, com jogos de azar sendo uma parte da cultura popular, que nos últimos tempos tornou-se aliada de outra paixão brasileira: o futebol, com as populares bets. No entanto, a regulamentação das apostas online, que começou a ganhar força nos últimos anos, trouxe um novo cenário.
De acordo com dados da pesquisa “Análise técnica sobre o mercado de apostas online no Brasil e o perfil dos apostadores”, feita pelo Banco Central em 2024, o gasto médio mensal dos brasileiros com as bets já gira em torno de R$ 20 bilhões, sendo a maioria dos apostadores jovens entre 20 e 30 anos.
Segundo especialistas, esse número tende a aumentar com a popularização das plataformas digitais. Um estudo do Departamento de Psiquiatria da Universidade de São Paulo mostrou que o Brasil possui cerca de 2 milhões de pessoas viciadas em jogos de azar. O acesso fácil e a possibilidade de apostar a qualquer hora e em qualquer lugar têm contribuído para o aumento do vício, especialmente entre os jovens, que são mais suscetíveis a essa forma de entretenimento.
Além do vício, as apostas online têm gerado um impacto significativo na saúde financeira dos indivíduos. De acordo com pesquisa divulgada pelo Instituto DataSenado, mais de 22 milhões de brasileiros colocaram dinheiro em apostas online esportivas no período de um mês. O mesmo estudo indica que mais da metade dos apostadores (52%) recebe até um salário-mínimo, e a maioria aposta até R$ 500 por mês, sendo a maioria do público formada por homens (62%).
Isso acaba resultando em endividamento, que não afeta apenas os apostadores, mas também suas famílias e a economia local, uma vez que muitos acabam comprometendo recursos que poderiam ser utilizados para necessidades básicas, como alimentação, saúde, educação e moradia. Sim, as pessoas deixam de pagar suas contas, de comprar comida e cuidar da saúde por conta das apostas online.
Causa temor também que tantas personalidades influentes, da comunicação, do entretenimento e do esporte, principalmente, aceitem fazer publicidade de uma atividade que não traz qualquer benefício às pessoas. Aliás, é sabido que a remuneração milionária desses garotos e garotas propaganda vem justamente dos jogadores que perdem…
Como presidente de uma entidade ligada ao varejo de alimentos, é nosso dever alertar sobre os efeitos colaterais das apostas online. O aumento do endividamento pode levar a uma diminuição no consumo, impactando diretamente o setor de varejo. Quando as pessoas priorizam o pagamento de dívidas relacionadas a jogos em vez de suas necessidades diárias, o comércio local sofre e não apenas os grandes, mas sobretudo os pequenos comércios.
É fundamental que a sociedade, juntamente com as autoridades, busque formas de regulamentar e controlar as apostas online, promovendo campanhas de conscientização sobre os riscos associados a essa prática. Precisamos trabalhar juntos para proteger os cidadãos, especialmente os mais vulneráveis, e garantir que o acesso ao entretenimento não se transforme em uma armadilha financeira.
Em conclusão, as apostas online podem parecer uma forma inofensiva de diversão, mas os dados históricos e as evidências atuais mostram que elas podem levar a consequências devastadoras. É hora de agir e promover um debate sério sobre o tema, visando a proteção da saúde financeira e mental da população brasileira.
Alvaro Furtado é advogado e presidente do Sincovaga-SP (Sindicato do Comércio Varejista de Gêneros Alimentícios do Estado de São Paulo).