Alvaro Furtado (*)
A atividade comercial é um importante termômetro da economia, porque sua temperatura reflete o nível de atividade econômica, de renda e de crédito disponível no país.
Naturalmente, o comércio também é um dos segmentos que mais empregam no Brasil, em torno de 10 milhões de pessoas, das quais cerca de 20% no varejo de alimentos − assim, também em supermercados e hipermercados −, ou seja, mais de 2 milhões de trabalhadores.
Curiosamente, o momento vivido pelo varejo de gêneros alimentícios, como de resto pelo comércio em geral, é de um verdadeiro “apagão” de mão de obra. Existem vagas nas empresas, mas elas não têm candidatos para preenchê-las.
Falta qualificação a grande parte da massa de interessados, mostrando um visível descompasso entre a evolução tecnológica envolvida no trabalho e, muito expressivamente, a realidade da deficiente educação básica do país, com baixa oferta de educação técnica/profissionalizante no ensino médio.
Não bastasse isso, outro fator torna o varejo de alimentos menos atraente como opção de emprego, justamente o fato dessas empresas funcionarem 363 dias por ano (exceto Ano Novo e Natal) e aos finais de semana, o que afasta sobretudo os jovens, que poderiam vislumbrar seu primeiro emprego. Afinal, os jovens querem ter o sábado, o domingo e os feriados disponíveis para suas atividades.
O fato é reforçado por dado divulgado recentemente pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), no estudo Education at a Glance 2024, que mostrou que os jovens entre 25 e 34 anos que não trabalham nem estudam − os chamados “nem-nem” − são quase 1 em cada 4 (24%) no Brasil. Esse número caiu 5,4 pontos percentuais em sete anos (era de 29,4% em 2016), mas ainda é considerado alto pelos especialistas.
Outra questão não menos importante para esse “apagão” de mão de obra é a dos atestados médicos, por sua vez intimamente ligada ao trabalho aos domingos e feriados. Atestados médicos sem a mínima fé pública proliferam na internet, em plataformas piratas que disponibilizam até tabela de preços para oferecer o documento, de acordo com o número de dias visados pelo “trabalhador”, inclusive com o número do CRM do médico.
O assunto é tão sério que o próprio Conselho Regional de Medicina (CRM), provocado pelas entidades representativas, dispõe agora de um mecanismo para certificar se o atestado é falso ou não, um sistema oficial de emissão e validação de atestados médicos em todo o Brasil, chamado Atesta CFM.
Há várias saídas para esse labirinto do emprego e a maioria passa pelas próprias empresas, que devem fazer um diagnóstico interno, avaliar sua estrutura e estudar a possibilidade de oferecer alguns benefícios de natureza social que tornariam suas vagas atraentes, seja para reter os empregados que lá estão, seja para atrair novos talentos.
Nos referimos eventualmente a convênios médicos, folgas adicionais, treinamentos e muitos outros tantos benefícios passíveis de serem acordados com os funcionários e que são, afinal de contas, interessantes para que a mão de obra se fixe. É uma forma de reconhecer que as pessoas do lado de dentro do balcão têm um papel primordial para o sucesso das empresas.
Alvaro Furtado é presidente do Sincovaga (Sindicato do Comércio Varejista de Gêneros Alimentícios do Estado de São Paulo)
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