(*) Alvaro Furtado
A dificuldade de contratação de mão de obra não é um problema exclusivo da categoria do varejo alimentar e, portanto, dos supermercados. Mas é importante dizer: ela tem causas específicas e complexas. São várias as razões que tornam difícil contratar hoje.
Primeiro, a carga horária. O trabalho no supermercado segue o modelo do chamado “6 por 1”: seis dias de trabalho por semana e uma folga, com escalas que incluem domingos e feriados – salvo o Natal e o 1º de janeiro. São tarefas que, na maioria das vezes, não trazem satisfação pessoal a quem as realiza. São trabalhos socialmente pouco valorizados e que ainda oferecem uma remuneração básica, que gira em torno de R$ 2 mil. Um salário bastante modesto diante do esforço exigido.
O que estamos vendo, na prática, é que até empregados com certo tempo de casa estão pedindo demissão. Muitos saem para trabalhar como entregadores de aplicativos, com seu próprio veículo. Fazem duas ou três entregas por dia, ganham mais do que ganhariam em uma longa jornada no supermercado, o trabalho é menos maçante e, principalmente, eles não trabalham aos sábados e domingos. Isso explica muito do momento atual.
Há iniciativas tentando reverter essa situação. Nós mesmos, no Sincovaga, temos o programa Varejo Contrata, uma plataforma de internet que incentiva o acesso no varejo de alimentos de públicos historicamente menos incluídos, como jovens em busca do primeiro emprego, pessoas com deficiência, imigrantes, refugiados, mulheres em situação de vulnerabilidade e profissionais em transição de carreira. Há oportunidades em diversas funções, em estabelecimentos que vão de grandes redes supermercadistas até mercados de bairro, padarias, franquias e lojas especializadas.
Até mesmo a Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS) fez uma parceria para recrutar jovens que dão baixa no serviço militar obrigatório – ainda não sabemos se isso trará resultados significativos.
Essas são tentativas válidas, mas revelam algo maior: as pessoas não querem mais ficar amarradas a vínculos formais que as obrigam a trabalhar todos os dias e em horários fixos, muitas vezes realizando tarefas repetitivas e pouco gratificantes. Isso vale especialmente no varejo alimentar. Ninguém gosta de abrir mão dos finais de semana.
A esse cenário se soma a proposta – ainda parada no Congresso – de redução da jornada semanal, tentando flexibilizar o chamado 6 por 1. Caminha a passos lentos. Ou seja, o problema é estrutural e financeiro, pois se não houver um debate amplo na sociedade, o que pode parecer um ponto positivo para os trabalhadores, pode se tornar motivo de enorme quebradeira entre as empresas.
E o que fazer? Eu tenho respondido a algumas consultas e o que a experiência mostra como mais razoável é, primeiro, olhar para dentro da empresa. Avaliar o ambiente da loja, observar as relações interpessoais entre gerentes, encarregados e suas equipes. Relações saudáveis e respeitosas são determinantes para a manutenção do emprego. Caso contrário, é preciso considerar trocas ou ajustes.
Outro ponto fundamental é valorizar o trabalho de quem está lá todos os dias, vendendo alimentos, produtos de limpeza e itens essenciais, 363 dias por ano. Aumentar substancialmente o salário pode ser difícil, mas reconhecer os funcionários mais antigos, com bom desempenho e poucas faltas, é importante.
Quando não há margem para aumento, pode-se pensar em incentivos não onerosos para a empresa, como vale-refeição, vale-compras nas lojas ou benefícios assistenciais, como convênios médicos familiares, com coparticipação.
Essas são estratégias para fixar a mão de obra. Não falamos em contratar mais pessoas e sim em manter quem já está lá, porque hoje, o quadro já está bastante desfalcado.
Criar um ambiente de trabalho melhor pode, inclusive, atrair outros profissionais, porque o salário base não conta toda a história. Se o trabalhador sabe que pode ter um convênio médico razoável ou outros benefícios, isso pesa na decisão de onde trabalhar.
De qualquer forma, aquela frase que ouvimos de vez em quando continua atual: o contrato de trabalho celetista, previsto no Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, está fora de moda. O que está valendo hoje é o trabalho em si. Até quando? Não sabemos. Porque ainda não encontramos respostas claras para essa nova realidade, que muda todos os dias.
Alvaro Furtado é advogado e presidente do Sincovaga-SP (Sindicato do Comércio Varejista de Gêneros Alimentícios do Estado de São Paulo).