09 de maio, 2024

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Comprar com os olhos

Imagine-se chegando naquele seu supermercado favorito, em que você até decorou onde fica cada seção. Se você não tem deficiência visual, boas compras! Já se tiver, prepare-se para inúmeros desafios, segundo a advogada Emmanuelle Alkmin, 39 anos, deficiente visual desde bebê.

“O supermercado é, por natureza, um ambiente hostil para os cegos, porque, entre outros motivos, ele é montado para ‘vender pelo olhar’”, analisa. Mas para toda regra sempre existe uma exceção.

Ela, que mora sozinha em Campinas (SP), tem uma rotina muito corrida, que inclui, claro, as idas ao supermercado, especialmente a dois com os quais se habituou. Só que um dia ela resolveu ‘experimentar’ um estabelecimento novo, a unidade do Pão de Açúcar da Avenida Barão de Itapura, e teve uma grata surpresa. Tudo devidamente registrado em sua página no Facebook, com direito a elogios e foto.

“Quando eu entrei, o segurança já veio me receber e me encaminhou para o café, a meu pedido e, lá, enquanto eu tomava uma água de coco, a funcionária Márcia Ribas me procurou dizendo que estava à disposição para me acompanhar”, conta. “Enquanto andávamos, ela me dizia por onde estávamos passando… ‘Este é o corredor com tais e tais produtos… tem a promoção X… Você sabia que temos agora uma nova seção de comida japonesa?… Podemos passar lá para ver se você gosta do que eles fazem. Olha, temos os espumantes X e Y em promoção’”, relata Emmanuelle.

“Eu me senti muito grata, porque a Márcia me ofereceu o que me falta nas compras: uma visão global! Ela foi os meus olhos, porque não raro as barreiras da deficiência visual nos excluem dos ambientes, das possibilidades de experimentar novos produtos. Naquele dia eu me senti simplesmente uma mulher que sai do trabalho, passa no supermercado e vai pra casa preparar o jantar!”, diz.

Para a advogada, não somente os supermercados, mas a maioria dos estabelecimentos não está preparada para lidar com os portadores de deficiência visual. Há banheiros adaptados, rampas, mas ainda falta treinamento aos colaboradores destacados para apoiar esse público.

“Eu já percebo a correria e um certo pânico quando chego a um supermercado e peço que alguém me ajude. É comum que um aprendiz, por exemplo, me acompanhe. Nada contra, mas a gente precisa de alguém que saiba a localização dos itens, que saiba interpretar o que estamos vendo, que sugira produtos, não que apenas nos conduza”, compara.

“Já aconteceu de eu dizer que queria comprar macarrão, o funcionário me levar até a gôndola e ficarmos lá parados por alguns segundos. No mundo ideal, nós chegaríamos e a pessoa já iria me perguntar que tipo ou marca eu prefiro, se eu preciso de molho de tomate também”, exemplifica. “É preciso que entendam que o que eu preciso não é me locomover, mas do olho do outro, que é a nossa interface para um ambiente que é predominantemente visual.”

Para ela, uma alternativa seria ter o apoio de um recurso digital, um aplicativo mais acessível, que informasse, conforme a pessoa com deficiência visual passasse pelos corredores, quais são os produtos expostos, se o cliente quer algum deles, se dentre eles há algum em promoção.

No que se refere a embalagens, sugestões de melhorias também não faltam. “Algumas caixinhas de papel têm informações em braile, o contato do SAC, mas não a data de validade, que é essencial. Já as latarias são todas iguais, não têm diferenciação nenhuma, assim como as massas. O mesmo acontece com as bebidas. É impossível saber pela lata se estamos bebendo um refrigerante ou uma cerveja”, diz.

Um recurso útil nesse caso, na opinião de Emmanuelle, seria usar na embalagem, no lugar do braile, o QR code, código que pode ser lido com o celular, e onde é possível inserir dados como lote, nome do produto, data de validade e contato do SAC.

Apesar das dificuldades, Emmanuelle não condena as empresas. “Eu atuei na gestão, entendo o que é o outro lado da inclusão e que em muitas ocasiões não há má intenção, mas é preciso mudar, falta investimento em treinamento. Há ações simples, como cursos online, que poderiam suprir essa deficiência nos colaboradores. As pessoas não sabem lidar porque muitas nunca tiveram contato com um deficiente visual em toda a vida.”

Para ela, iniciativas simples e baratas podem facilitar a inclusão do deficiente visual nos supermercados e agregar valor às empresas. “A experiência que vivenciei no Pão de Açúcar foi tão positiva e simpática que muitos amigos passaram a ir lá também. Foi uma atitude espontânea, que certamente beneficiou a imagem do estabelecimento”, completa.

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