Rubens Barbosa, O Estado de S.Paulo
“São três os elementos que podem garantir votos numa eleição: favores, esperança e relações pessoais.
O candidato deve trabalhar para dar esses incentivos às pessoas certas. Para ganhar os eleitores indecisos, deve fazer pequenos favores. Com relação àqueles em quem você desperta a esperança – um grupo zeloso e devotado –, deve fazê-los acreditar que estará sempre pronto para ajudar-lhes. Deixe que saibam que você está agradecido pela lealdade deles e sensibilizado pelo que cada um está fazendo por você. Em relação aos que já o conhecem, deve encorajá-los, adaptando a sua mensagem à circunstância de cada um e demonstrando enorme gratidão pelo apoio desses seguidores. Para cada um dos três grupos de apoiadores, decida como poderão ajudá-lo na campanha eleitoral e de que modo você pode pedir a eles ajuda. Não deixe de dar atenção a cada um individualmente, de acordo com a dedicação deles à campanha.
O mais importante numa campanha é incentivar a esperança no povo e criar nele um sentimento de boa vontade em relação a você. Por outro lado, você não deve fazer promessas específicas, quer para o Congresso, quer para o povo. Fique em vagas generalidades: diga ao Senado que você vai manter os privilégios e poderes que tradicionalmente tiver, deixe a comunidade de negócios e os mais ricos saberem que você é favorável à estabilidade e à paz; assegure ao povo que você sempre esteve ao seu lado, tanto no discurso como na defesa dos interesses dele.
Onde quer que você ande, haverá de encontrar arrogância, teimosia, malevolência, orgulho e ódio. Não se deixe desencorajar pela conversa de corrupção. Mesmo nas eleições mais corruptas há muitos eleitores que apoiam os candidatos em quem eles acreditam, sem receber em troca nenhum pagamento. É possível que seus oponentes tentem usar o suborno para ganhar o apoio dos que estão com você. Deixe que eles saibam que você está observando atentamente as suas ações e os ameace com processo nos tribunais. Eles ficarão com medo de sua influência no meio empresarial. Não será necessário levá-los aos tribunais com acusações de corrupção; o importante é que eles saibam que você está disposto a isso. O medo ensina melhor do que uma ação judicial. O que interessa não é o resultado da ação dos tribunais, mas sim a ameaça, por ser importante como instrumento de produção do medo e da moderação dos adversários.
O candidato deve ser um camaleão, adaptando-se a cada indivíduo que encontra, e deve mudar sua expressão e seu discurso quando necessário.
Mantenha perto os seus amigos. E mais perto ainda seus inimigos. Depois de identificar quais os amigos com quem poderá contar, dê muita atenção a seus inimigos. Há três tipos de pessoas que poderão se opor aos seus interesses: aquelas a quem você contrariou, as que não gostam de você e as que são amigas próximas de seus oponentes.
Para impressionar os eleitores, dê atenção a cada um deles, sendo pessoal e generoso. Nada impressiona mais um eleitor do que o candidato mostrar não se ter dele esquecido. Por isso, faça um esforço para se lembrar de seus nomes e rostos.
Faça promessas de todo tipo. As pessoas preferem uma mentira de conveniência a uma recusa direta. Prometa qualquer coisa, a qualquer um, a menos que uma clara obrigação ética o impeça de fazê-lo.
A campanha deve ser competente, digna, mas cheia de vida e de espetáculo, que tanto atrai as massas. Também não fará mal se você as lembrar do quão desqualificados são seus oponentes, acusando-os de crimes, escândalos sexuais e corrupção em que poderão estar envolvidos.”
Não me considere, eventual leitor, como um cínico conselheiro de algum candidato, mas apenas o responsável pela transcrição de parte de um muito antigo e, até hoje, preservado documento. O autor de todos os conselhos mencionados anteriormente foi Quintus Tullius, general e político romano. Em 64 a.C., Cícero, notável orador e político de Roma, embora não pertencesse à aristocracia, de onde saíam os que iriam dirigir os destinos do Império, apresentou-se como candidato ao posto de cônsul, o cargo mais importante na cena política romana. Seu irmão, Quintus Tullius, produziu o que hoje seria chamado de memorando e que denominou Pequeno Manual sobre Eleições, com o objetivo de ajudar o candidato na campanha que se aproximava e que, como tudo parecia indicar, não seria nada fácil de vencer. Hoje, se vivo fosse, estaria ganhando um bom dinheiro como consultor político.
As recomendações contidas no manual, algumas das quais transcritas anteriormente, podem surpreender pelo cinismo e pelo pragmatismo, mas mostram que, em mais de 2 mil anos, quando se trata de política, nada ou quase nada parece ter mudado.
Esse roteiro pragmático de campanha está sendo bem aproveitado pelos candidatos que hoje disputam cargos eletivos em todos os níveis no Brasil. Muitos candidatos, como estamos constatando, já estão há tempos praticando, ampliando e aperfeiçoando esses antigos métodos.
A propósito, como a História conta, Cícero, com os conselhos do irmão marqueteiro, saiu-se vitorioso.
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PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE), É MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS
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