Fátima Fernandes
Ninguém contesta que um negócio só sobrevive à base de lucro. Seja do tamanho que for, uma empresa consegue comprar, vender e empregar, se tiver resultado positivo no final do mês.
Mas um movimento que ganha força no mundo e no Brasil chama a atenção para o fato de que o foco exclusivamente no dinheiro já não é mais suficiente para manter uma organização.
O chamado capitalismo consciente, aquele que envolve todas as pessoas relacionadas com a empresa, de fornecedores a empregados e clientes, é hoje a chave para o sucesso.
Em 2014, Júlio Tadeu Aoki, fundador do sacolão Da Santa, decidiu trocar o modelo da chamada “velha economia”, com foco exclusivo no financeiro, para a “nova economia”, atenta às pessoas.
A loja que fatura R$ 80 milhões por ano, localizada na Vila Mariana, com 1,5 mil metros quadrados, tem o dobro de tamanho de quando surgiu, em 1998, e é mais lucrativa.
“A nossa mudança foi focar mais no atendimento ao cliente do que no lucro, gerando riqueza para todos. Veja o que está ocorrendo com empresas que só enxergam o lucro”, diz Aoki.
São vários os exemplos de companhias gigantes, que pareciam ter uma administração impecável, que estão à beira do abismo por problemas administrativos, financeiros.
A MUDANÇA
Até então, o negócio do Aoki estava baseado numa relação comercial. “Vendíamos o que queríamos, produtos com bons resultados financeiros, sem preocupação com marcas”, afirma.
A partir do momento em que as pessoas passaram a ser o foco, quando decidimos ouvir os clientes, diz, nem sempre os produtos que estavam na loja eram os que davam mais lucro.
Frutas comercializadas em período de safra no Brasil, de acordo com ele, têm custo mais justo para os clientes, como são os casos, neste momento, de maçã Fuji e mexerica.
“Se oferecer maçã da Itália, por exemplo, tenho mais lucro, mas não sirvo tão bem o cliente.”
A troca da velha para a nova economia na forma de operar, diz Aoki, teve impacto positivo não apenas na relação com os clientes, mas também com fornecedores e colaboradores.
Antes, se o atacado vendia uma marca de panetone com preço mais em conta do que o próprio fabricante, era comum o empresário correr para comprar do atacado.
Hoje, a parceria entre a indústria e o sacolão chegou a tal ponto, diz, que, num caso como este, existe uma boa conversa com o fabricante na linha de compensação.
“Ganho menos numa situação como esta, mas ganho mais em outra. Pago mais hoje no panetone, mas posso ter uma condição melhor na compra de colomba pascal”, diz.
Na relação com os empregados, diz ele, o contato passou a ser mais humanizado, a ponto de, durante a pandemia, a empresa pagar psicólogos para funcionários.
“Na pandemia, o supermercado não parou, e as pessoas ficaram muito abaladas. Ou afastávamos todos para que eles se virassem com o INSS, ou escutávamos todos.”
Aoki diz que a opção foi ouvir a dor das pessoas, encaminhá-las para tratamento, custeado pela empresa. Com 220 empregados, o tempo médio de casa do pessoal é de sete anos.
A parceria com estabelecimentos da vizinhança também faz parte da nova maneira de Aoki tocar o negócio.
A padaria localizada na mesma rua do Da Santa forneceu a receita para a produção de pães. “Essa padaria formou os quatro padeiros que trabalham comigo”, diz.
Os saquinhos plásticos para embalagem dos produtos também são adquiridos de uma empresa vizinha. “Também abasteço o meu carro no posto na porta da loja.”
O conceito é o seguinte: se todos ao meu redor vão bem, diz, eu também vou bem.
PESQUISA
Desde 2016, o Da Santa começou a fazer pesquisas com consumidores, colaboradores, fornecedores e sociedade para se aprofundar no conceito de economia voltada para gente.
Na última pesquisa, realizada no final de 2021, o Índice de Qualidade das Relações (IQR) da empresa foi de 95 pontos, numa escala de zero a 100.
A organização que atinge pontuação acima de 95 pontos, de acordo com a pesquisa feita pela Humanizadas, possui relações extremamente positivas e saudáveis.
No quesito reputação da marca, a partir de avaliação de todos os envolvidos no negócio, inclusive a vizinhança, o Da Santa atingiu 77 pontos.
A maior pontuação foi identificada com fornecedores (95), seguida de sociedade (92), lideranças (86) e colaboradores (82).
LIVRO
O case do Da Santa estará no livro “Pedaços de Brasil que Dão Certo”, de Roberto Tranjan, que será lançado no dia 3 de abril pela editora Buzz, juntamente com o Instituto Economia ao Natural.
O livro conta a história de 20 empresas que, comprovadamente, diz Aoki, mostram que existe uma economia ao natural, não apenas centrada em coisas, e como é transformador trabalhar alinhado a um propósito para uma vida com mais significado.
O instituto é uma ideia de Aoki e Tranjan e tem o objetivo de criar propósito e sentido da vida de pessoas, principalmente de jovens, uma iniciativa que está em andamento há dois anos.
“A ideia do instituto é a qualificação humana, não de processos.”
EM XEQUE
O modelo de negócio que surgiu a partir de 1760 com a revolução industrial, com o compromisso exclusivo com o lucro, está sendo questionado há algum tempo.
Nos Estados Unidos, uma das empresas que marcam o início deste movimento é a Whole Foods, supermercado criado em 1980, com o propósito de vender produtos orgânicos.
Os fundadores da rede, John Mackey e Renee Lawson, que hoje emprega cerca de 91 mil pessoas, pediram emprestado de familiares e amigos US$ 45 mil para fundar a loja em Austin.
“Eles apostaram na ideia da alimentação saudável, sabendo que os recursos naturais são limitados, uma visão de capitalismo consciente, além do lucro”, afirma Olegário Araújo, pesquisador do FGVcev – Centro de Excelência em Varejo da FGV (Fundação Getúlio Vargas).
Araújo cita quatro pilares descritos pelo Capitalismo Consciente, capitulo Brasil:
Propósito – o propósito de uma empresa deve ser mais do que simplesmente gerar lucro.
Cultura consciente – incorporação de valores, princípios e práticas ao tecido social de uma empresa, que conecta os stakeholders uns aos outros e ao seu propósito, pessoas e processos.
Liderança consciente – são os responsáveis por servir ao propósito da organização, criando valor para todos os stakeholders, cultivando uma cultura consciente de confiança e cuidado.
Orientação para os stakeholders – um negócio deve gerar diferentes valores para todas as partes interessadas.
Erra o empresário, diz Araújo, que pensa que não se ganha dinheiro com o capitalismo consciente. “Dá para ganhar dinheiro sim”, afirma. A rede Whole Foods é exemplo.
“O empresário que acredita no capitalismo consciente vai atrair público, funcionários, que se identificam com o mesmo propósito, é um novo caminho. Nem todos vão se identificar com este movimento, portanto, viva a pluralidade.”
IMAGEM: Da Santa/divulgação
https://dcomercio.com.br/publicacao/s/foco-exclusivo-no-lucro-ja-nao-e-mais-garantia-de-sucesso
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