Por Notas & Informações
No dia 8 de fevereiro, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento de um processo extremamente controvertido. Segundo a Corte, uma ação com repercussão geral sobre matéria tributária deve prevalecer sobre decisões judiciais definitivas. O ponto mais polêmico, sobre o qual não houve consenso entre os ministros do Supremo, foi a definição de que, nesses casos, as decisões anteriores perdem imediatamente seus efeitos.
Dois dias depois, num evento de um sindicato paulista de empresas de contabilidade, o ministro do STF Luiz Fux – que foi voto vencido na questão dos efeitos concretos da ação com repercussão geral sobre a coisa julgada prévia – criticou duramente a decisão tomada pela maioria de seus colegas na Corte. “Nós tivemos uma decisão que destruiu a coisa julgada, (…) que criou a maior surpresa fiscal para os contribuintes”, disse o ministro.
Fux disse que tinha “legitimidade para falar sobre isso” por ter manifestado sua contrariedade “publicamente”, isto é, durante o julgamento. O ministro declarou ter ficado tão incomodado com a decisão que sua insatisfação “é perene”. Em seguida, Fux descreveu um comentário da internet sobre a decisão: “Eu li um meme que era mais ou menos o seguinte: a segurança jurídica convida a todos para o enterro da coisa julgada; vedada a presença de investidores”. A plateia aplaudiu o ministro.
Infelizmente, a crítica pública contra julgamento em que foi voto vencido não é uma novidade no Supremo. Não é inédita, mas é rigorosamente ilegal. “É vedado ao magistrado manifestar, por qualquer meio de comunicação, (…) juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério”, estabelece a Lei Orgânica da Magistratura (Lei Complementar – LC – 35/1979), em seu art. 36, III.
Os ministros do STF têm de cumprir a lei. Trata-se de ponto fundamental para o prestígio e a autoridade da mais alta Corte do País. Não há que falar em exceções ou em circunstâncias especiais. Todos os juízes, também os do Supremo, estão sujeitos à LC 35/1979.
Integrar um órgão colegiado no Judiciário exige a capacidade de ser voto vencido em silêncio: de não espernear perante a derrota. O magistrado tem a oportunidade de expor suas razões e seus argumentos durante o julgamento. Se, ao final, não convenceu seus pares, se foi posição minoritária, tem de acolher a decisão vencedora, sem criticá-la. Qualquer outra atitude, manifestando juízo depreciativo sobre a orientação final, descumpre a Lei Orgânica da Magistratura.
Além de desrespeitar a lei, a crítica pública a decisões judiciais por parte de ministros do STF é extremamente prejudicial à autoridade do Judiciário. Concorde-se ou não com ela, toda decisão judicial deve ser respeitada e cumprida por todos. No entanto, como esperar que uma decisão seja respeitada pela população se o próprio magistrado que participou do julgamento faz pouco dela?
O descumprimento do art. 36, III da LC 35/1979 faz com que todo o Supremo fique desgastado, como se suas decisões fossem absurdas, sem fundamentação jurídica, sem ponderação dos efeitos. Em casos como o da semana passada, em que a decisão contraria os interesses de muitas empresas, é fácil jogar para a plateia. Dificílimo é reconstituir a autoridade da Corte.
Como dissemos nesta página, no editorial Caso no STF resume mazelas nacionais (10/2/2023), a decisão sobre a coisa julgada em matéria tributária é controvertida, mas não é absurda. Trata-se de firme defesa do princípio da igualdade de todos perante a lei, o que protege a maioria dos contribuintes, além de desestimular a judicialização. Mas como exigir racionalidade se há ministros do STF que incentivam o desprezo à decisão?
O funcionamento do Estado Democrático de Direito exige outra compostura. Para o Judiciário ser capaz de pacificar os conflitos sociais, o juiz que foi voto vencido tem de saber perder.
https://www.estadao.com.br/opiniao/o-dever-de-nao-espernear/
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