Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
Enquanto políticos, analistas e eleitores se debruçam sobre o resultado das urnas para mapear as novas composições do poder no Executivo e no Legislativo, em âmbito federal e estadual, as eleições são também o momento de avaliar os vícios e as virtudes do sistema representativo para sanear os primeiros e otimizar as últimas.
No Brasil, a quantidade de partidos e de recursos alocados para a sua sustentação e suas campanhas é aberrantemente maior do que em outros países. Segundo dados levantados no estudo Quão diferente é o sistema político brasileiro?, publicado pela Câmara dos Deputados, entre 33 países o Brasil tem de longe o maior número de partidos efetivos (15, enquanto a média é de 4,5); o maior custo por parlamentar (528 vezes a renda média do brasileiro, enquanto a média é de 40); e o maior financiamento público de partidos (US$ 446 milhões ao ano, enquanto a média é de US$ 65,4 milhões).
Recentemente, houve uma série de mudanças pontuais, mas significativas para corrigir distorções no sistema representativo, entre elas o fim das coligações partidárias nas eleições proporcionais ou a proibição, por parte do STF, de financiamento de campanha por empresas. Uma das mais relevantes foi a cláusula de barreira, aprovada em 2017. Ao fixar porcentuais mínimos de números de parlamentares eleitos e coeficientes de Estados para que os partidos tenham acesso aos Fundos Partidário e Eleitoral e tempo de TV, a cláusula de barreira foi um passo importante para remediar a distorção talvez mais nociva do sistema representativo brasileiro: a fragmentação partidária.
A proliferação de legendas impacta o custo da governabilidade e a capacidade dos partidos de impor uma coesão entre seus membros, além de estimular o fisiologismo. A comparação internacional evidencia que, quanto maior o número de partidos, menor o grau de mudanças políticas.
A cláusula de barreira limita os incentivos a partidos nanicos, que, sem votos e sem representatividade, servem apenas a seus donos. Aqueles que não ultrapassam os porcentuais mínimos são incentivados a se fundir com outros, o que os obriga a negociar e pactuar conteúdos programáticos mais consistentes. Foi o caso, nas últimas eleições, de cinco partidos (PTB, PSC, Patriota, PROS e Solidariedade) que já discutem seu futuro em conjunto.
Se a cláusula de barreira está corrigindo distorções, outros mecanismos as estão perpetrando. Segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, o porcentual de renovação da Câmara caiu para 40%, um dos menores nas últimas décadas. Essa é uma consequência do sistema espúrio de financiamento aos partidos.
Hoje, os partidos dependem quase que exclusivamente de recursos públicos para se custear e promover suas campanhas. Essa garantia é uma das razões que distanciam os líderes das bases e os próprios partidos dos cidadãos. Os feudos são controlados por poucos caciques que determinam a distribuição de recursos sem transparência, sempre a favor de seus apaniguados.
Somem-se a isso as distorções introduzidas pelo chamado orçamento secreto, que deu discricionariedade ao relator do Orçamento para distribuir, em troca de apoio ao governo, emendas a parlamentares utilizadas por congressistas para favorecer seus redutos eleitorais. Levantamento de O Globo mostrou, por exemplo, que 10 dos 13 deputados beneficiados com valores acima de R$ 100 milhões em emendas foram reeleitos com desempenho nas urnas superior ao de 2018.
Assim, a cláusula de barreira está reduzindo o número de partidos, e isso é sadio. Por outro lado, o financiamento público de campanha e o orçamento secreto estão concentrando os recursos nas mãos de uns poucos que tendem a se perpetuar no poder. É um claro atentado ao princípio da igualdade de oportunidades que desequilibra a competitividade eleitoral. Em outras palavras, a se manterem esses mecanismos, bancados com o dinheiro do contribuinte, a tendência da representação política no Brasil é que seja cada vez mais “mais do mesmo”. É a “velha política” no poder, e cada dia mais envelhecida.
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