08 de maio, 2024

Notícias

Home » Política » A nova Lei de Improbidade Administrativa e a indisponibilidade de bens

A nova Lei de Improbidade Administrativa e a indisponibilidade de bens

Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

REDAÇÃO

Foi publicada, no último dia 26 de outubro, a Lei 14.230/2021, que alterou a Lei 8.429/92, a qual dispõe sobre improbidade administrativa. Diante de tantas alterações na Lei anterior, podemos dizer que temos uma Nova Lei de Improbidade Administrativa.

A Nova Lei trouxe um extenso rol de alterações e inovações em relação à norma anterior e vem sendo objeto de análise por diversos setores da sociedade civil. Alguns setores são críticos e consideram haver um “afrouxamento” das regras de repressão à conduta ímproba. Outros, pensam que a novel legislação trouxe maior equilíbrio para a aplicação da norma sancionatória.

O presente ensaio abordará as alterações e inovações relacionadas com a medida cautelar da indisponibilidade de bens, especialmente aquelas previstas no art. 16 da Nova Lei, as quais os autores entendem terem sido benéficas e necessárias ao sistema sancionador de atos ímprobos.

Já à primeira vista chama a atenção o fato de o referido artigo contar com quatorze parágrafos, deixando nítida a intenção do legislador de conferir contornos objetivos para o emprego do referido instituto da indisponibilidade e, em última análise, contribuir com a segurança jurídica na aplicação da Nova Lei.

Com apenas dois dispositivos na lei anterior (art. 7º, caput e parágrafo único), não é demais considerar que havia parca previsão para a decretação de indisponibilidade de bens, em nada – ou em muito pouco – regulamentada.

Coube à jurisprudência, ao longo dos quase 30 anos de vigência da lei, fixar os critérios para efetivação da indisponibilidade de bens, os quais, permita-se dizer, mais aproximam o instituto de uma antecipação de pena do que propriamente lhe confere caráter de cautelaridade.

Uma das construções jurisprudenciais mais representativas da desnaturação do instituto é aquela relacionada à preferência por bens de maior liquidez, aplicando-se, por analogia, muitas vezes, o art. 835 do CPC.

Isso porque o referido artigo dispõe sobre a ordem de preferência de penhora na fase de execução, quando, portanto, o título executivo já goza de certeza, liquidez e exigibilidade, situação absolutamente distinta da decretação de indisponibilidade de bens em ação de improbidade administrativa, que, na quase totalidade dos casos, ocorre em fase ainda incipiente do processo, antes mesmo da própria decisão de recebimento da petição inicial, e, muitas vezes, antes mesmo de qualquer oitiva do réu, especialmente sua defesa prévia.

Para além da evidente impropriedade jurídica, a aplicação do referido dispositivo causava, na prática, enorme prejuízo ao réu, uma vez que, em regra, as ações de improbidade administrativa envolvem expressivas cifras, sendo vultosos, por consequência, os valores bloqueados que ficavam à mercê da lentidão na tramitação de processos desta natureza, e, não raramente, perduram por mais de uma década.

Aliás, o prejuízo decorrente da preferência pelo dinheiro é potencializado pela possibilidade – novamente fruto de construção jurisprudencial – de inclusão do valor da multa civil no quantum bloqueado.

A esse respeito, vale dizer que a Nova Lei, no §11, do art. 16, prevê ordem de preferência quando da efetivação da indisponibilidade de bens na qual o bloqueio de contas bancárias é a última alternativa, operando-se apenas se inexistentes “veículos de via terrestre, bens imóveis, bens móveis em geral, semoventes, navios e aeronaves, ações e quotas de sociedades simples e empresárias, pedras e metais preciosos”.

Além disso, o §6º, do mesmo art. 16, possibilita a substituição de bloqueio de bens por “caução idônea, por fiança bancária ou por seguro-garantia”, a qualquer tempo e segundo o interesse do réu, homenageando-se, com isso, o princípio da menor onerosidade, de inafastável observância em sede de medida cautelar.

No que tange à multa civil, o §10, do art. 16 é ainda mais incisivo, na medida em que expressamente proíbe que ela integre o quantum bloqueado, devendo a indisponibilidade recair sobre “bens que assegurem exclusivamente o integral ressarcimento do dano ao erário”.

Outro critério criado pela jurisprudência para fins de decretação de indisponibilidade de bens é a presunção do periculum in mora. A crítica, a este respeito, tem viés mais lógico do que propriamente jurídico, uma vez que não há razoabilidade na dispensa da comprovação do perigo da demora se o objetivo da medida é, justamente, “garantir o resultado útil do processo”.

A Nova Lei, por sua vez, no seu art. 16, §3º, torna necessária a “demonstração no caso concreto de perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo”, dispondo, inclusive, sobre a prévia oitiva do réu. E o novo texto legal foi restritivo e categórico ao afirmar que apenas nestas condições a liminar de indisponibilidade deverá ser deferida.

Como último ponto a ser destacado, pode-se afirmar que a Nova Lei altera o permissivo jurisprudencial de solidariedade entre réus em sede de cautelar de indisponibilidade de bens.

Anteriormente, a justificativa para que o suposto dano pudesse ser integralmente suportado por quaisquer dos réus na fase preliminar de indisponibilidade de bens, independentemente de sua efetiva cota de participação no ato ímprobo, era a de que a individualização das responsabilidades somente seria possível após a conclusão da instrução probatória. Dito de outro modo, privilegia-se a garantia do resultado útil do processo vis-à-vis o direito de responder pela exata medida do dano causado.

A previsão do art. 17, §6º, inciso I da Lei 14.230/2021, no entanto, interfere diretamente nessa lógica, especialmente porque determina que a individualização da conduta dos réus deve ser realizada já na petição inicial. Portanto, para fins da cautelar de indisponibilidade de bens, a petição inicial deve, obrigatoriamente, estabelecer e indicar o percentual de participação de cada réu no dano, sob pena de indeferimento do pedido.

Levantados os principais temas sobre a indisponibilidade de bens, querem os Autores assinalar que várias das novas normas têm caráter de normas processuais, de vigência imediata e aplicáveis, inclusive, às ações em curso e às indisponibilidades anteriormente deferidas. Quer dizer, especialmente pelo caráter precário e cautelar das liminares de indisponibilidade, que as decisões anteriormente tomadas devem ser reavaliadas, sob a égide da Nova Lei.

Considerado este contexto, a Nova Lei de Improbidade significa grandioso avanço quanto aos critérios para a aplicação da medida de indisponibilidade de bens, a um só tempo esvaziando o caráter de antecipação de pena e harmonizando-o com sua natureza de medida cautelar, resgatando, com isso, os mais relevantes princípios de aplicação de uma lei sancionadora.

https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/a-nova-lei-de-improbidade-administrativa-e-a-indisponibilidade-de-bens/

Comentários


Deprecated: O arquivo Tema sem comments.php está obsoleto desde a versão 3.0.0 sem nenhuma alternativa disponível. Inclua um modelo comments.php em seu tema. in /home/sinco580/public_html/wp-includes/functions.php on line 6078

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *