Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
O presidente Jair Bolsonaro já não faz questão de esconder que seu governo está à venda. Seu único propósito, agora e no futuro previsível, é agarrar-se à faixa presidencial, ao custo de cada uma de suas promessas de saneamento da política nacional. E que fique claro: a esta altura, não se trata mais de vender cargos em troca de votos para aprovar matérias de seu interesse. Ou seja, não é governabilidade que o presidente procura, pois esta já não existe mais, e mesmo que existisse Bolsonaro não saberia o que fazer com ela. Para Bolsonaro, trata-se, simplesmente, de ter um lote suficiente de votos para não ser cassado num processo de impeachment.
O mais recente negócio de ocasião oferecido na queima de estoque bolsonarista foi a entrega de uma diretoria do generoso Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para um apadrinhado do ex-deputado Valdemar Costa Neto, do Partido Liberal (PL). Esse senhor, com quem agora Bolsonaro mercadeja, já teve de renunciar duas vezes ao mandato de deputado. A primeira em 2005, quando se viu pilhado no escândalo do mensalão e admitiu que recebeu dinheiro do PT. Renunciou para preservar seus direitos políticos. Eleito deputado em 2006 e reeleito em 2010 – quando só obteve o mandato graças ao palhaço Tiririca, folclórico puxador de votos –, renunciou novamente em 2013, quando o Supremo Tribunal Federal decretou sua prisão no processo do mensalão. Enquadrado na Lei da Ficha Limpa, está proscrito da vida política nacional até 2029. Um currículo e tanto.
A despeito disso tudo, o sr. Costa Neto segue sendo o chefão do PL e é com ele que qualquer interessado deve se acertar se quiser o apoio dos 39 deputados da legenda. Na mesma xepa bolsonarista, o Partido Progressista (PP), do igualmente notório senador Ciro Nogueira, espera obter a chefia do FNDE, que tem orçamento de R$ 54 bilhões, maior que o de vários Ministérios. Sob a presidência do sr. Nogueira, o PP, hoje com 40 deputados, tornou-se o partido com o maior número de parlamentares envolvidos no escândalo do petrolão, mais até que o PT, tão execrado pelo presidente Bolsonaro e seus devotos.
Para entregar uma das joias da coroa do Ministério da Educação aos partidos que prometem salvá-lo do impeachment, Bolsonaro não se importou em atropelar um de seus mais fiéis sabujos, o ministro Abraham Weintraub, genuíno representante da “ala lunática” do governo e que havia manifestado ao presidente sua contrariedade. Aparentemente, Weintraub ficou só no esperneio, e agora, como todos os demais fanáticos bolsonaristas, terá de encontrar uma narrativa que explique por que o líder da “nova política” está em aberto contubérnio com o que há de pior na odiada “velha política”.
E não vai parar por aí. Carlos Marun, influente no MDB e que se notabilizou pela defesa que fez de Eduardo Cunha durante o processo que afinal cassou aquele mal-afamado deputado, foi reconduzido por Bolsonaro ao Conselho de Administração de Itaipu. E o comando do Departamento Nacional de Obras contra a Seca foi entregue por Bolsonaro a um apadrinhado do deputado Arthur Lira (PP), líder do bloco chamado de “Centrão” e conhecido também por ser réu na Lava Jato.
Todas essas negociações, em tese, darão a Bolsonaro a bagatela de 220 votos, insuficientes até para dar quórum a qualquer votação (257 deputados), que dirá para aprovar alguma reforma constitucional. Mas é o bastante para impedir que se arregimentem os 308 votos necessários para cassar o presidente.
Ao lotear seu governo, Bolsonaro espera ganhar tranquilidade política para continuar a exercer sua especialidade: criar crises e naturalizar sua truculência, desmoralizando a política e as instituições democráticas. Bolsonaro passou três décadas como deputado dando motivos mais que suficientes para sua cassação. Não só não foi cassado, como elegeu-se presidente da República. A mesma hesitação ante as agressões de Bolsonaro à democracia se verifica agora, e é nisso que o presidente parece apostar para continuar inimputável. Enquanto as lideranças políticas vacilam, o bolsonarismo vai se tornando um mal crônico, com o qual se convive por falta de alternativa.
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