04 de outubro, 2024

Notícias

Home » Opinião » Bondades eleitorais na conta do Tesouro

Bondades eleitorais na conta do Tesouro

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

Com promessas eleitorais estimadas em R$ 158,6 bilhões, o presidente Jair Bolsonaro converteu o Orçamento-Geral da União em orçamento de campanha, mas sem explicar de onde sairá o dinheiro para financiar todas essas bondades. Os compromissos incluem, por exemplo, a manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600, embora o projeto da lei orçamentária indique o valor de R$ 405. Se a isso for adicionado o 13.º pagamento a mulheres chefes de família, só o Auxílio imporá ao Tesouro um gasto adicional de R$ 77,2 bilhões. Ao oferecer tantos benefícios em troca de votos, o candidato à reeleição mostrou-se, mais uma vez, irresponsável na gestão de recursos oficiais, incapaz de separar seus interesses dos interesses públicos e totalmente despreparado para as funções de governo.

Se for reeleito, terá novamente que recorrer a improvisos para compensar os desarranjos orçamentários. Improvisar soluções, até por meio de injustificáveis propostas de emendas constitucionais, foi uma das marcas mais visíveis de seu desastroso mandato. Terá de recorrer, mais uma vez, à cooperação de seu sempre obediente ministro da Economia, Paulo Guedes, frequentemente omisso diante dos muitos desmandos presidenciais.

Se for derrotado, deixará um legado sinistro a seu sucessor. Dificultará severamente seu início de mandato e prejudicará, como sempre, muitos milhões de brasileiros, já afetados pelas más condições do emprego, pelos altos preços da comida, pelo endividamento e pelo crédito muito caro. Poderá complicar-se ainda mais quem se deixar atrair por outra bondade, o empréstimo consignado aos beneficiários do Auxílio Brasil.

Algumas promessas formuladas pelo presidente seriam mais facilmente justificáveis em outras circunstâncias. A correção da tabela do Imposto de Renda deve servir, normalmente, para neutralizar efeitos da inflação e impedir a elevação da carga tributária. Governantes deveriam efetuar essa correção de forma rotineira, prevendo seus efeitos, também rotineiramente, na gestão orçamentária. Convertida em bondade eleitoral, essa providência gera um custo fiscal extraordinário, agora estimado em R$ 17 bilhões.

A promessa de atualização da tabela, formulada na campanha de 2018, só foi lembrada, para fins práticos, no fim de mandato do presidente eleito naquele ano. Não é essa, obviamente, a forma saudável de administrar as contas oficiais – nem para o Tesouro, nem para os contribuintes do Imposto de Renda, nem para os demais brasileiros, muito prejudicados quando o desarranjo fiscal afeta serviços essenciais.

No atual mandato, áreas fundamentais, como educação, ciência e tecnologia, foram danificadas de forma direta pela orientação política do presidente Bolsonaro, independentemente das condições fiscais. No futuro mandato, poderão ser afetadas pelos desajustes orçamentários agora produzidos.

Se o inquilino do Palácio da Alvorada for o mesmo de hoje, o mau funcionamento daqueles setores será mera continuação do quadro atual. Se o inquilino for outro, os desacertos fiscais produzidos neste ano tornarão bem mais difícil a recuperação daquelas áreas. Isso resultará, em termos bem prosaicos, em maior atraso na formação de capital humano e, portanto, em maior dificuldade para o retorno ao caminho do desenvolvimento.

A herança fiscal inclui a prorrogação de bondades tributárias. Deverá ser mantida a redução de impostos e de contribuições sobre combustíveis, com custo previsto de R$ 52,9 bilhões. Tomadas para conter o impacto da alta internacional dos preços dos combustíveis, agravada pela supervalorização do dólar, essas medidas foram concebidas para disfarçar a inflação e agradar a uma parte do eleitorado. Pouco beneficiaram, no entanto, a população mais pobre, mais pressionada pelo custo dos alimentos. Aumentada e mais exposta à fome, essa população empobrecida será um dos legados para o novo período presidencial. Se o presidente eleito quiser socorrê-la, terá de enfrentar um orçamento desarrumado. Com muito esforço e alguma sorte, o ano de 2024 poderá ser mais promissor.

Comentários