Em aula para herdeiros, ex-presidente contou que, sem apoio da maioria do Congresso, já viu vários presidentes caírem.
Fernando Henrique Cardoso chegou bem-humorado ao primeiro dia de aula para jovens de famílias empresárias na tarde desta segunda-feira (25) em São Paulo. Antes de entrar na sala, os herdeiros haviam perguntado à organização do programa Legado para a Juventude Brasileira, criado em 2014 para formar novas lideranças empresariais, a forma mais adequada para se referir ao ex-presidente. Quando soube da dúvida, FHC brincou: “Chamem de Excelência!”, disse ele, rindo. Embora o curso não tenha a política como eixo principal, nove das dez perguntas feitas pelos alunos ao ex-presidente tratavam exatamente da arte de governar. À vontade com a plateia, FHC não se esquivou de comentar a recente crise entre o governo e o Congresso em torno da aprovação da reforma da Previdência. “Vou fazer uma comparação grosseira: é o cavalo e o cavaleiro. No começo, o Congresso fica testando, para ver se o cavaleiro, o presidente, o governo, tem capacidade de andar a cavalo. Se não tiver, ele vai derrubar, ele dá um pinote”, afirmou.
Na última semana, o presidente Jair Bolsonaro e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), trocaram farpas públicas e deram início a uma crise que ameaça a aprovação da reforma da Previdência. Para o seleto grupo de jovens herdeiros, FHC ressaltou que, em momentos de indefinição econômica e estruturas partidárias frágeis como o atual, só uma liderança forte e moderadora é capaz de alinhar interesses e colocar o país de novo num rumo. Disse que a reforma é crucial para o governo se capitalizar e começar a governar. “Agora o Bolsonaro vai ter de fazer [a reforma]. Se não tiver maioria, não faz reforma. Se não fizer reforma da Previdência, não tem dinheiro. E o mercado é o mercado. O mercado é cruel”, disse FHC.
Como exemplo de bom negociador, FHC citou o ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton. “Conversei sobre isso com o Clinton. Nos Estados Unidos, quando tinha uma votação importante, ele ficava o tempo inteiro pendurado ao telefone. Falando com cada deputado. E mais. Nos Estados Unidos tem um momento em que para a votação para que haja a negociação, e é aí que o presidente pressiona”, lembrou. FHC enfatizou que, se o presidente Jair Bolsonaro quer fazer uma reforma da Previdência, precisa assumir o comando dela, mesmo que para isso seja necessário se desgastar. “Precisa ter capacidade de fazer coalizão, de ter apoio. Precisa de acordos. A política é isso. Aqui criamos um horror à política, como se todos os acordos fossem espúrios. Espúrio é se tem dinheiro no meio, quando não é para o bem do país. Tirando isso, tem de fazer acordo. Como governa sem maioria? Não governa, cai.”
FHC enumerou os vários presidentes que já viu cair. O primeiro deles foi Jânio Quadros (em 1961), que perdeu sua base de apoio político e social ao adotar uma política econômica austera e uma política externa independente. Quadros ficou conhecido por falar a língua do povo. Costumava colocar pó nos ternos escuros para parecer caspa. A seus comícios, levava um rato numa jaula, símbolo da roubalheira, e uma vassoura, para varrer a corrupção. “Era uma pessoa talentosa, do ponto de vista de expressão política, mas sempre desprezou o Congresso. Ele achou que iria fazer uma manobra, que o Congresso iria recusar a renúncia dele porque o povo iria para a rua. Se ele perguntasse ao povo, o povo o mantinha. Mas não é por aí que um governante cai. Cai quando perde sustentação das forças organizadas.”
O ex-presidente seguiu então sua lista de exemplos das consequências nefastas de uma relação conflituosa entre governo e Congresso com o ex-presidente Fernando Collor de Mello (1990-1992), a quem considera inteligente e pessoalmente atento. Disse que ele caiu “de bobo, porque é um bonecão”. “Ele é soberbo, não se jogava na briga com o Congresso. Caiu sozinho.” Então finalizou com a ex-presidente Dilma Rousseff (2011-2016), afastada do cargo por ser acusada do crime das “pedaladas fiscais”, apelido para a manobra contábil feita pelo Poder Executivo para cumprir as metas fiscais, maquiando equilíbrio entre gastos e despesas nas contas públicas. “Como a Dilma perdeu? Claro que ela fez as pedaladas, mas não foi por isso. Ela perdeu porque não soube governar. Precisava de mais força para governar. Se o regime é parlamentarista, cai o gabinete. Se é presidencialista, é um problema. Tem impeachment.”
A respeito do governo atual, o ex-presidente se mostrou preocupado com sua divisão, que considera intimamente ligada com a falta de uma direção clara para o país. “Sou prudente, precisa dar tempo ao tempo. Mas o governo me parece…. Você tem o setor econômico com uma visão, que é abstrata. Você tem o setor atrasado, lutando contra diabos que não existem mais, contra o comunismo. Você tem os militares com sentido da realidade, conhecem o Brasil e são corporativos. Não se vê um comando que unifique tudo isso, por enquanto. Precisa convencer, precisa de gente capaz de liderar.”
O Legado para a Juventude Brasileira foi idealizado no começo de 2013 pela educadora Daniela Rogatis. Especialista em gestão do legado familiar, Rogatis havia identificado uma tendência de êxodo em diversos países da América Latina, jovens que saíam para estudar e morar fora e acabavam não voltando. Apresentou a ideia ao ex-presidente, que virou professor e conselheiro. “Naquele tempo, já sentia avançado o embrião de descrédito no país”, diz Rogatis. “O propósito do curso é que o jovem passe a ser um motor de transformação social, geração de emprego e de renda.” Além de FHC, outros integrantes do governo já ministraram aulas, como Arminio Fraga, Pedro Malan e Gustavo Franco.
Abordado por ÉPOCA ao final da aula para comentar o cenário atual, FHC manteve o bom humor. “Você é jornalista? Estava aqui infiltrada?”. Então ajustou o tom da fala sobre o temor de o governo não resistir à pressão do Congresso. “Precisa ter paciência, esperar um pouco. Não é fácil governar. Só não pode demorar, continuar como vai indo, senão complica.” E o senhor acha que Bolsonaro corre risco de cair, como os presidentes que mencionou? “É difícil prever o que vai acontecer. Espero que não, porque cansa. O Brasil precisa de um pouco mais de constitucionalidade. Não votei no Bolsonaro, não tenho nada com isso. Mas ele ganhou a eleição. Tomara que faça alguma coisa.”ÉPOCA.
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