05 de outubro, 2024

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Deixem o BC trabalhar em paz

Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil
Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

Responsável principal pelo combate à inflação, o Banco Central (BC) destacou-se nos últimos 20 anos, na administração federal, pelo empenho e pela eficiência no cumprimento de suas funções. Desviou-se de seus padrões, no entanto, por menos de dois anos, quando a presidente Dilma Rousseff interferiu em sua política, abrindo espaço para uma disparada de preços. A autonomia da instituição, consagrada há muito tempo em economias avançadas, só seria oficializada no Brasil em fevereiro de 2021, com a aprovação da Lei Complementar n.º 179. Mesmo assim, candidatos à Presidência da República têm falado em promover mudanças na atuação do BC e até, no caso do pedetista Ciro Gomes, em fixar limites para os juros. Mais moderado, mas também com amadorismo, o petista Lula da Silva propõe ampliar os objetivos da autoridade monetária.

A proposta de uma “lei antiganância”, anunciada pelo candidato Ciro Gomes, expressa uma combinação de voluntarismo e de ingenuidade econômica. Resumo da ideia: “Você toma R$ 100 emprestados e, qualquer que seja o prazo, quando você pagar R$ 200, a lei determina a quitação”. Não basta boa intenção para salvar uma ideia. Tabelamento de juros já foi tentado, nunca deu certo e, em muitas ocasiões, prejudicou quem precisava do crédito. Mas essa é apenas a fórmula mais tosca de interferência no sistema financeiro.

A sugestão do candidato Lula é mais sofisticada, mas um tanto redundante. O BC precisa, segundo ele, buscar algo mais que a estabilidade dos preços. Precisa, disse o petista, cuidar também de metas de emprego e de crescimento econômico. Sugestões desse tipo são geralmente inspiradas no famoso duplo mandato do Federal Reserve (Fed), o banco central americano. Mas pessoas informadas sobre o assunto conhecem dois fatos nada misteriosos: em primeiro lugar, o Fed normalmente leva em conta o objetivo de emprego compatível com uma certa meta de inflação (hoje fixada em 2%), que normalmente é o ponto de referência mais importante. Em segundo lugar, os dirigentes do BC, no Brasil, costumam avaliar, em suas deliberações, os impactos da política monetária no ritmo da atividade econômica e no nível de emprego.

Esse comportamento é tradicional. Além disso, a Lei Complementar n.º 179, depois de indicar como objetivo fundamental a estabilidade de preços, acrescenta, num parágrafo, a seguinte determinação: “Sem prejuízo de seu objetivo fundamental, o Banco Central do Brasil também tem por objetivos zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego”.

Os candidatos à Presidência da República agirão muito bem se abandonarem as pretensões de intervir na política monetária e de regular de forma voluntarista o mercado de crédito. Farão bem se observarem as experiências acumuladas no Brasil e no exterior, deixando de lado ideias já desacreditadas na academia, nas administrações sérias e nos mercados. Em termos mais simples, deixem o BC trabalhar em paz.

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