O País, em vez de pagar para ver, aceitou alinhar-se como colônia a um império decadente.
A democracia representativa é um exercício sempre inacabado, na busca de instituições que separem claramente o “poder” da “violência” através da submissão de todos à mesma lei e a princípios e direitos estabelecidos consensualmente que obrigam todo cidadão. Como a sociedade é, naturalmente, heterogênea, o exercício democrático exige a aceitação permanente do contraditório e do conflito arbitrado pelo poder eventualmente eleito. Seu “poder” será constrangido apenas pela Constituição, que fixa o tempo certo em que será submetido a nova eleição livre. O maior “dever” da maioria eventual é respeitar os direitos da “minoria” que restou da batalha nas urnas.
Diante disso, é preciso distinguir o eventual comportamento de alguns “políticos” do exercício da política, isto é, a arte de acomodar diferenças de forma pacífica, sem a qual a sociedade não avança na construção de sua própria “civilização”. Punir “políticos” usando o devido processo legal estabelecido é o que a sociedade espera, mas isso não pode ser confundido com o estímulo à ação de ideólogos “salvacionistas” que, provavelmente sem perceber ou desejar, produzem a satanização da política, ou seja, matam a esperança civilizatória. Faz, portanto, todo o sentido a resposta do ilustre presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, na defesa da política.
Mesmo com o enorme entusiasmo revelado na eleição de Bolsonaro (39% dos eleitores) e que ainda prevalece na sociedade, é impossível negar que:
- O governo é muito desigual. Há áreas que prometem grandes avanços (economia, segurança, infraestrutura) exercidas por profissionais de alta qualidade, civis e militares da reserva, e outras ocupadas por ideólogos amadores, como é o caso da educação que, em lugar de ideias, produzem ruído.
- As recentes pesquisas sobre a opinião pública apoiadas em amostragem aleatória com ponderação dos extratos sociais e, portanto, que a reproduzem mais fielmente do que o “furor tuiteiro” reforçado por robôs (que geram o autoengano) indicam que o governo dissipou mal sua energia. Tem problemas no seu próprio partido. Ainda não conseguiu convencer a sociedade de que a reforma da Previdência é mesmo sua primeira e, por necessidade, única prioridade. Como diz o ministro Guedes, é a primeira barreira, necessária ainda que não suficiente, que vencida abrirá o caminho para a superação das outras. Para isso acontecer, entretanto, é preciso restabelecer as relações respeitosas com a política, como sugeriu o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, referido acima.
- A visita a Washington deu resultados pouco palpáveis. O palavrório de Trump inflou o ego do presidente, a ponto de ninguém perguntar quem “inventou” a condição que, para entrar na OCDE, o que tem vantagens e desvantagens abstratas, temos de abdicar das poucas vantagens concretas que temos na OMC. O “inventor” foi o próprio Trump. Blefou no jogo. É profissional. O Brasil, em vez de pagar o blefe para ver o que ele tinha, aceitou alinhar-se como colônia a um império decadente. É óbvio que não podemos entregar o prometido. Nos últimos 30 anos, nossa política econômica já nos transformou em colônia da China, uma horrível ditadura, mas um império emergente. O desmoralizador pedido de apoio “moral” à OCDE para fazer o que sabemos que temos de fazer é uma repetição do entusiasmo de alguns com o Consenso de Washington. Acreditavam que a força externa criaria as condições políticas para implementar a “salvação” econômica do País. Deu no que deu.
- A correção dos antigos desequilíbrios da estrutura salarial dos militares com relação aos servidores civis (quem, efetivamente, detém o “poder”!), apresentada por necessidade interna, ao mesmo tempo que o corte nas suas aposentadorias, ainda que obviamente correto, será motivo de mais uma confusão e pode atrasar a aprovação no Congresso.
E, finalmente, uma espetaculosa operação midiática muito semelhante à de Janot, que impediu a reforma de Temer, disparou uma onda de incerteza a respeito da Previdência, revelada na enorme especulação na sexta-feira negra: depreciação cambial, aumento do juro futuro, aumento do risco Brasil e queda do Ibovespa. Seguramente, nada que Guedes não possa controlar se for realmente apoiado, mas seus custos “potenciais” podem ser enormes. CartaCapital.
Comentários