18 de maio, 2024

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Em termos semânticos, o que é “real” quando o assunto é metaverso?

Imagem: katemangostar - br.freepik.com

POR LUIZA VILELA

Com toda essa conversa sobre metaverso e o futuro do e-commerce na era da digitalização, há algo que vem me provocando desde que li alguns dos primeiros artigos sobre a existência desse universo virtual. Já se sabe que a chegada dele vai impactar diretamente a forma como consumimos produtos e experiências, mas um questionamento que fica é: qual análise semântica dessa vivência? Será que a nossa experiência no metaverso vai de fato transformar tanto a nossa realidade que precisaremos encontrar uma nova palavra para descrever o que é “real”?

Pensando pelo lado da Língua Portuguesa, a definição de “real” já é um pouco difusa. O dicionário Michaelis elenca pelo menos oito significados para a palavra, que descrevem bem o porquê desse meu questionamento aplicado para o metaverso.

Acontece que, segundo uma definição mais literal, o que acontece dentro do metaverso pode não ser considerado exatamente real já que não é palpável, não existe de fato e não tem existência no mundo concreto. Ou seja, na teoria, é uma visão de que tudo que acontece ali dentro não faz parte da nossa realidade. Mas, na prática, também é impossível chamar aquele ambiente de imaginário, certo?

O que é real quando se vive no metaverso?

Partindo do cenário de que tudo que funciona no metaverso depende de um ativo que tem um custo real — afinal, tudo seria mais fácil se ter dinheiro no digital fosse como fabricar criptomoedas como uma arte no Paint, não é mesmo? —, com uma infraestrutura gigante e palpável, com ações digitais que se refletem no mundo físico, não é possível afirmar que o metaverso não é real. E, sendo ele uma realidade, também não é mais preciso dizer que o mundo fora dele é real e o de dentro apenas digital ou virtual.

Eis, portanto, a inconsistência que pode nos levar a encontrar uma nova palavra para descrever o que é real dentro dessa nova realidade: cada vez mais a tecnologia tem confundido o palpável com o digital e reconfigurado conceitos bastante sólidos ao longo da nossa história.

Vale ressaltar, entretanto, que se estamos prestes a embarcar em um novo universo, toda a forma de sociedade que temos aqui fora, constituída ao longo de anos, também terá que ser repensada no metaverso — e falo aqui inclusive de regras sociais, porque ainda que seja parecido, esse novo ambiente não é um videogame qualquer, no qual é possível viver em um mundo “sem regras”.

Consequências da realidade em um mundo digital: como será no metaverso?

Com toda a repercussão do caso Monark, conferi um episódio do podcast Flow de janeiro estes dias e me deparei com uma discussão muito interessante, puxada pelo humorista Diogo Defante, sobre como essa definição do real pode ser muito questionada quando envolve um recurso monetário.

“Digamos que eu quero ter um carro, uma BMW, dentro do metaverso. Eu pago com dinheiro real, chego e faço um Pix. Vou chutar aqui um preço — nunca comprei, mas tenho vontade —, sei lá, R$ 250. Qual é, 250 reais não se conseguem fácil. Mas enfim, vou jogar ali 250 reais e vou ter uma BMW ali dentro do metaverso, virtual. Agora imagine se chega eu, idiota, querendo fazer um entretenimento, uma brincadeira e gracinha, e pego uma bazuca (porque eu comprei uma bazuca virtual) e explodo o carro do amigo. Aquela BMW que o cara pagou R$ 250”, questiona o humorista durante o programa.

“Plow. Aí o cara, dentro do jogo, fica bolado comigo. Ele vira e me pergunta ‘por que você explodiu meu carro?’. Eu sei que ele já saiu do ‘personagem’, ele está na vida real, porque ele já injetou dinheiro real ali dentro. E aí, ferrou. A vida real está entrelaçada com o virtual, eu não estou mais jogando um joguinho que dá para explodir um carro e o outro jogador rir, porque nada daquilo é real. Agora, existe um ativo real, dinheiro mesmo ali dentro”, conclui.

Esse caso é justamente o ideal para refletir o papel que o metaverso passará a exercer: um conceito de realidade em algo que, na prática, não é exatamente real. Uma dualidade que precisa ser lapidada (e não vem da noite para o dia), uma convivência intrínseca que, mesmo nos moldes de um videogame, precisa ser vista de forma diferente — e que vai mudar de forma profunda a forma como nos relacionamos enquanto sociedade.

Percepção de avatar, ambiente físico e digital

Um dos pilares da existência do metaverso, importante trazer à tona, é o conceito de avatarização. E o melhor jeito que já encontrei para explicar isso é pensar que esse novo ambiente será como um jogo aberto do The Sims — ou, para quem é das antigas, o Habbo Hotel. Isso implica dizer que, para habitar aquele espaço e criar conexão com as pessoas, será necessário criar um avatar. E aí, as possibilidades são inúmeras, não há limites para a criatividade… e nem para as ações feitas por esse novo usuário que, embora seja controlado por uma pessoa de verdade, não é exatamente real.

O grande receio da nova era do metaverso está em entender o que dentro dele traz consequências reais e quais serão os limites nos quais que a falta de realidade palpável abre brechas para crimes. Se um usuário, por meio de um avatar, por exemplo, agredir sexualmente outro usuário… Ele irá preso no metaverso, no mundo físico ou em ambos?

É o que está em julgamento com o caso de Nina Jane Patel, que afirmou ter sido sexualmente abusada no novo metaverso do Meta, ex-Facebook, o Horizon Worlds. “Após 60 segundos que entrei na plataforma, fui assediada verbal e sexualmente por 3-4 avatares masculinos, com vozes masculinas, essencialmente. Praticamente estupraram meu avatar e eu tirei fotos – enquanto eu tentava fugir. Eles gritaram ‘não finja você não amou’ e ‘vá se esfregar na foto’”, destacou ela ao portal Medium.

A falta de regulamentação é evidente nesse caso e revela quantas consequências esse universo pode trazer aos consumidores. Assim, em um momento no qual as empresas se atiram de maneira desesperada, quase como em uma corrida velada, dentro de um metaverso que até então não foi eficientemente estabelecido em suas regras e limites, permanece meu questionamento inicial: qual será a definição mais próxima de “real” em 2022?

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