Segundo o historiador, polarização política não é novidade no País, e hostilidade é uma tentativa de se eximir de problemas sociais
Segundo Leandro Karnal, a internet potencializa a sensação de animosidade na sociedade
(Foto: Christian Parente)
Os recentes pleitos eleitorais e o debate político no Brasil têm sido marcados por forte polarização ideológica, cujos efeitos também se manifestam em ofensas e agressões entre pessoas que defendem políticos ou partidos distintos. Em entrevista ao UM BRASIL, o historiador e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Leandro Karnal afirma que o comportamento hostil não é novidade na história brasileira e que se perpetua porque o ódio é o caminho “mais fácil, porque nos impede de pensar”.
“Quando eu te odeio, em primeiro lugar, eu digo que eu sou bom e você é ruim, e tudo o que há de ruim no mundo vem de você, do seu partido, do seu político”, comenta Karnal.
Ele avalia que a internet potencializa a percepção a respeito da animosidade entre as pessoas, citando que o Brasil passou por outros momentos de intensa polarização política antes do advento da web, como as disputas entre a Aliança Nacional Libertadora (ANL) e a Ação Integralista Brasileira (AIB) em 1935; o período da renúncia de Jânio Quadros à Presidência da República até o golpe de 1964; e a eleição presidencial de 1989.
Nesse contexto, o historiador ressalta que o “ódio é uma zona muito confortável”, porque transfere a responsabilidade dos problemas a outra pessoa. Segundo ele, a busca por identidade produz dissolução e pensar provoca solidão. Ao mesmo tempo, é mais fácil viver coletivamente, e é nesse ponto em que a odiosidade se fortalece.
“O odiador é um covarde. Por isso, o ódio é coletivo. Um playboy não mata um indígena. Eles se reúnem em três ou quatro e tocam fogo em um indígena no ponto de ônibus. Um torcedor não ataca. Agora, reúna-o em uma torcida organizada… O partido ou grupo de WhatsApp esconde o meu medo e reforça a minha ideia. Então, todo sistema agressivo ou totalitário precisa de mais gente e, assim, os integrantes se sentem amparados”, avalia.
Para Karnal, a facilidade com que as pessoas emitem suas opiniões no mundo atual não é necessariamente ruim. O problema, contudo, é que poucas estão dispostas a escutar o ponto de vista alheio ou embasar sua convicção com argumentos. Com isso, ele afere que a sociedade ideal deve ser baseada no consenso do respeito às diferenças. Entretanto, quando não há consenso, o Estado precisa impor alguma forma de coerção.
“Acredito que, para a melhoria social, precisamos de boas escolas ensinando que a violência contra a mulher é uma barbárie inadmissível, mas também precisamos de Lei Maria da Penha, Delegacia da Mulher e tornar os crimes contra ela cada vez mais classificados como hediondos e inaceitáveis. Precisamos de campanhas contra o racismo, do Dia da Consciência Negra, de grupos de conscientização e de visibilidade dos negros, mas também precisamos deixar claro que, segundo a nossa Constituição de outubro de 1988, racismo é inafiançável e imprescritível”, frisa o historiador.
Confira a entrevista na íntegra a seguir:
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