Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
O alinhamento do ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, à cruzada do presidente Jair Bolsonaro contra o sistema eleitoral chega às raias do constrangimento. Nesse sentido, ele segue com disciplina marcial os passos de seu antecessor na pasta, Walter Braga Netto – aquele que, na condição de ministro da Defesa, mandou avisar que não haveria eleições caso não houvesse voto “auditável”.
Por meio de um ofício classificado como “urgentíssimo”, no dia 2 passado o ministro da Defesa requereu ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) acesso aos códigos-fonte das urnas eletrônicas. Ora, esses códigos já estavam à disposição das entidades fiscalizadoras do processo de votação, entre as quais figuram as Forças Armadas, desde outubro do ano passado; logo, urgência não havia, a não ser a urgência do ministro da Defesa de causar confusão.
Como os dados já estavam disponíveis, o TSE prontamente atendeu ao pedido do ministro da Defesa. No dia seguinte ao ofício “urgentíssimo” de Paulo Sérgio, já havia local e cronograma definidos para que técnicos indicados por ele começassem uma auditoria que, a rigor, poderia ter sido realizada ainda no ano passado. Convém lembrar que, em ofício datado de 6 de outubro de 2021, o então presidente da Corte Eleitoral, ministro Luís Roberto Barroso, convidou Braga Netto, então ministro da Defesa, a indicar auditores nos seguintes termos: “Senhor ministro, com meus cordiais cumprimentos, informo que os códigos-fonte dos programas que compõem o sistema eletrônico de votação estão disponíveis para inspeção de suas evoluções, das 10h às 18h, na Sala Multiuso, localizada no subsolo do edifício-sede deste Tribunal”. Objetivamente, nada foi feito pelo Ministério da Defesa.
Ainda que com atraso de dez meses, é muito bom para o País que o Ministério da Defesa tenha decidido se debruçar sobre os códigos-fonte. Quanto mais entidades fiscalizadoras atestarem sua higidez, tanto mais evidente ficará para a sociedade que o modelo brasileiro de planejar e realizar eleições é extremamente seguro e eficaz, e que não por acaso é tido como um paradigma para todos os países democráticos.
A abertura dos quatro códigos-fonte dos programas do sistema eleitoral – Sistema de Apuração (SA), Sistema de Votação (VOTA), Sistema de Logs SA VOTA e Sistema de Totalização (SisTot) – em outubro passado, a um ano da realização do pleito, já fora uma clara demonstração de que o TSE pretende atuar com a máxima transparência na organização das eleições de 2022. Até então, os códigos-fonte eram liberados para auditoria com antecedência de seis meses.
A questão, no entanto, nada tem a ver com a confiabilidade do sistema de votação, já amplamente comprovada. O objetivo do ministro da Defesa, a serviço do presidente Bolsonaro, não é melhorar coisa alguma, e sim difundir dúvidas sobre a lisura do processo. Nenhuma resposta da Justiça Eleitoral deixará os bolsonaristas satisfeitos, pois a estratégia do presidente, amplamente anunciada pelo próprio, é denunciar “fraudes” na eleição para não reconhecer o resultado caso seja derrotado.
Sob inspiração do presidente da República, há quem aposte na desordem para deslegitimar as escolhas dos eleitores neste ano. Não são triviais as ameaças de ataques hacker contra os servidores do TSE e dos Tribunais Regionais Eleitorais nos Estados às vésperas das eleições de outubro. O Estadão teve acesso a um relatório interno do TSE em que técnicos enumeram algumas possibilidades de ataque que, no limite, podem impedir o acesso a dados, tal como ocorreu com o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2020. Ainda que os sistemas da urna eletrônica não sejam comprometidos, uma tentativa de invasão a outros sistemas do TSE que seja bem-sucedida bastaria para que os arautos do caos levantassem suspeitas contra todo o processo.
É bom, portanto, que o TSE faça tudo o que estiver a seu alcance para evitar ou minimizar esses ataques, para tranquilidade dos cidadãos brasileiros. Já para os fanáticos bolsonaristas, nada será suficiente para fazê-los aceitar uma eventual derrota de seu “mito”. Logo, se há algo “urgentíssimo” a fazer no País, é deixar esses golpistas falando sozinhos.
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