20 de maio, 2024

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Por uma transição pacífica

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

Os resultados não deixam dúvida: a eleição presidencial deste ano foi a mais acirrada da história do País. A diferença entre a votação obtida pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) foi de pouco mais de 2 milhões de votos. De um lado, isso expõe um país profundamente dividido entre duas lideranças populares. Por outro, reafirma a força de nossa jovem democracia. Encerrada a disputa eleitoral, é chegado o momento de pacificação, sobretudo nos próximos dias, quando se inicia o período de transição de governo.

Há 20 anos, a Lei 10.609/2002 se tornou um marco nacional ao regulamentar a instituição de uma equipe de transição para o presidente eleito, tradição que o País seguia informalmente desde 1989. Ao futuro presidente, compete o direito de nomear até 50 pessoas para cargos especiais, entre eles um coordenador, para ter acesso a informações sobre o funcionamento de todos os órgãos da administração pública e preparar atos de sua iniciativa a serem editados após a posse. A nomeação formal deste gabinete cabe ao ministro da Casa Civil, cargo hoje ocupado por Ciro Nogueira.

Não se trata da antecipação do fim do mandato de Jair Bolsonaro, o que acontecerá no dia 31 de dezembro deste ano, ou de um gesto de elegância ou gentileza do incumbente para com seu sucessor. É apenas e tão somente o estrito cumprimento da lei, algo que se espera tanto de Bolsonaro quanto de Lula. Uma transição pacífica, no entanto, exige uma maturidade que o presidente não demonstrou na noite de domingo, quando foi incapaz de cumprimentar o adversário ou ao menos agradecer a confiança depositada por mais de 58 milhões de brasileiros que foram às urnas para votar por sua reeleição.

Se não precisa se envolver diretamente com essa passagem, Bolsonaro tampouco pode boicotá-la ou recusar-se a aceitar seus termos. Aceitar derrotas, afinal, é algo intrínseco a todos que optam pela vida pública – e o fato de Bolsonaro e alguns bolsonaristas terem demonstrado dificuldade para formular um discurso para um momento como este diz muito sobre suas convicções democráticas. A despeito desse constrangedor silêncio presidencial, há razões para acreditar que o País atravessará esse período com a conciliação necessária. Da parte de Lula, em seu primeiro discurso após a vitória, ele acertadamente pregou união e prometeu um governo para todos os brasileiros, independentemente de suas escolhas políticas.

Lideranças associadas a Bolsonaro também deram demonstrações de lucidez e compromisso inequívoco com a democracia. Talvez a mais importante delas tenha vindo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Mais do que um mero aliado, Lira foi a garantia de uma estabilidade política sem a qual provavelmente Bolsonaro não teria conseguido concluir o mandato, daí a relevância de suas declarações reconhecendo o resultado das urnas minutos após o anúncio pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). “A vontade da maioria manifestada nas urnas jamais deverá ser contestada. Seguiremos em frente na construção de um País soberano, justo e com menos desigualdades”, afirmou.

Da mesma forma, o ex-ministro de Infraestrutura de Bolsonaro e governador eleito de São Paulo, Tarcísio de Freitas, assegurou que buscará manter uma relação republicana com o presidente eleito. “A partir de agora vamos olhar para frente, olhar para os interesses do Estado de São Paulo”, disse, reconhecendo a importância do entendimento entre Estados e o governo federal. Já o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, deputado federal eleito pelo PL-SP, postou, por meio de sua conta do Twitter, que o resultado eleitoral traz reflexões e a necessidade de buscar caminhos de pacificação de um país dividido ao meio. “É hora de serenidade.”

É por esse espírito democrático que este jornal espera que o período de transição de governo seja marcado. Que a reação do bolsonarismo radical à eleição de Lula, simbolizada pelo deselegante silêncio de Bolsonaro sobre o resultado, pela deputada doidivanas que apontou uma arma para um desafeto no meio da rua e pelos caminhoneiros que promoveram baderna para protestar contra a vitória petista, seja apenas esperneio de mau perdedor.

 

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