Para cumprir o teto de gastos, é preciso aprovar uma robusta reforma da Previdência.
Affonso Celso Pastore*, O Estado de S.Paulo
Em monumental esforço empírico Alesina, Favero e Giavazzi (Austerity: When It Works and When It Doesn’t) analisaram experiências de austeridade em 16 países da OCDE. Se olhássemos apenas para os efeitos sobre a demanda agregada, seria melhor elevar impostos do que cortar gastos. Afinal, o modelo keynesiano simples ensina que o efeito multiplicador do aumento de receita tributária é menor do que o de um corte de igual magnitude de gastos. No entanto, suas evidências indicam que políticas buscando a redução dos déficits e a estabilização da dívida baseadas no controle dos gastos têm efeitos redutores da atividade econômica significativamente menores do que elevando impostos.
Desde quando inseriu na Constituição dispositivo congelando os gastos primários reais, o governo optou pelo controle dos gastos. Diante daquelas evidências esta foi uma excelente decisão. Porém, para atender à restrição imposta pelo teto de gastos é preciso aprovar uma robusta reforma da Previdência. Mas qual? Uma totalmente baseada no sistema de repartição, alterando a idade mínima; com transição curta para as novas regras; homogeneizando tratamentos (das populações rural e urbana); e eliminando privilégios? Ou uma que crie, também, um sistema de capitalização para os novos entrantes? Guedes tem defendido que ao lado de mudanças no regime de repartição se aprove uma transição para o regime de capitalização o que tem vantagens, mas cria dificuldades.
Quais são as vantagens? O sistema atual desestimula a poupança das famílias. Independentemente de sua contribuição enquanto jovem, o beneficiário sabe que terá garantida uma renda que o sustentará na aposentadoria. Porém, o Brasil tem uma poupança doméstica (famílias, empresas e governo) insuficiente para financiar os investimentos, e sempre que a taxa de investimentos se eleva necessita absorver poupanças externas na forma de déficits nas contas correntes. Como o sistema de capitalização eleva as poupanças das famílias, ele seria desejável, tendo como subproduto o alívio da restrição imposta ao crescimento pela baixa poupança doméstica.
Sua segunda vantagem é sobre a taxa real neutra de juros. Esta nada mais é do que a taxa de juros que iguala poupanças aos investimentos. Se tudo o mais for mantido constante, um regime de capitalização tem como subproduto uma queda da taxa real de juros, estimulando ainda mais os investimentos.
O que ocorre, no entanto, quando em vez de olhar apenas para as poupanças das famílias consideramos explicitamente a poupança do governo, que diante dos déficits primários gerados predominantemente pelo excesso de gastos de custeio e de transferências de renda é atualmente negativa? Nos próximos anos os ganhos de poupança do governo vindos da consolidação fiscal permitida por uma reforma da Previdência robusta superam em muito os provenientes de um aumento das poupanças das famílias vindo da introdução gradual do regime de capitalização, o que indica uma clara prioridade. Em adição, um dos fatores que minimizam o efeito contracionista da austeridade, apontado por Alesina, Favero e Giavazzi, é a remoção de incertezas que limita os investimentos privados, o que exige o sucesso na consolidação fiscal.
Embora a sociedade esteja consciente de que uma robusta reforma da Previdência é essencial para o aumento dos investimentos e a retomada do crescimento econômico, no plano puramente político temos que reconhecer que ela prejudica os interesses de grupos e corporações com grande influência no Congresso, o que ameaça a sua qualidade. O temor é que a exemplo do ocorrido com a reforma proposta por Temer, ocorram barganhas políticas que gerem concessões que reduzam significativamente a economia de recursos, piorando as perspectivas quanto ao cumprimento do teto de gastos e à solvência do setor público.
Por mais vantagens que um regime de capitalização possa ter a longo prazo, elevando as poupanças das famílias e reduzindo a taxa real neutra de juros, no curto prazo geram-se atritos e oposições que colocam em risco a economia de recursos obtida pelo governo, e este efeito é tanto maior quanto mais fraco é o apoio parlamentar ao governo. É importante defender princípios liberais, mas a realidade política do atual governo indica que é melhor uma boa dose de pragmatismo, mantendo o foco na consolidação fiscal.
*EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA A.C. PASTORE & ASSOCIADOS
Comentários