07 de maio, 2024

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Luzes de joalheria, vinhos, produtos exóticos: sacolões apostam em sofisticação para agradar cliente

Por Lílian Cunha

Numa noite fria de julho, dez clientes do sacolão de hortifrútis Da Santa, na Vila Mariana, em São Paulo, compareceram às 19h na loja para um jantar. Eles estacionaram seus carros no subsolo e atravessaram a loja repleta de frutas e verduras tão bem iluminadas quanto brincos e colares na vitrine de uma joalheria.

No mezanino do varejão, havia mesas dispostas com louças finas e várias taças para degustação de vinhos portugueses. Entre um gole e outro, os clientes foram servidos de um menu especial, elaborado pela chef Gi Nose. Ninguém precisou pagar nada.

Jantares como esses são promovidos todos os meses para os dez clientes que mais compram vinhos na adega do Da Santa, onde estão à venda cerca de 600 rótulos de vários países. E não é só a adega do sacolão que chama a atenção. Numa reforma que custou R$ 15 milhões, pisos super claros e limpos e uma iluminação igual à de joalherias foram instalados na loja de 1.500 metros quadrados, que recebe uma media de 2 mil clientes por dia.

Adega do sacolão Da Santa tem cerca de 600 rótulos de vários países Foto: Tiago Queiroz

“A ideia era essa mesma: iluminar as frutas como se fossem joias”, diz Rosely Kawahara Takano, diretora da KT | Kawahara & Takano Arquitetura de Negócios.

Em outro sacolão, no bairro da Santa Cecília, uma reforma semelhante foi concluída no ano passado. O Sacolão Higienópolis praticamente dobrou sua área de vendas e passou oferecer, além de tomates e cebolas, produtos exóticos, como o brócolis romanesco, pés de couve flor roxa e alaranjada e a couve negra toscana. A área de produtos orgânicos também aumentou.

Já no Oba Hortifrúti de Cotia, na região metropolitana de São Paulo, a sofisticação está presente, mas com um sotaque mais caipira. Pelúcias gigantes em forma de galinhas e frutas cantam e se mexem quando consumidores vão à loja com seus filhos. A fachada da loja – que imita um grande celeiro – chama atenção de quem passa em frente, na rodovia Raposo Tavares.

 

Quem vê lojas tão animadas e cheias de artifícios para dar conforto e mimar os clientes não imagina que tudo começou com uma ação da Prefeitura de São Paulo para melhorar o abastecimento da população, nos anos 80.

Até 1983, só os consumidores que frequentavam as feiras livres tinham oferta de frutas, legumes e verduras. As compras, entretanto, tinham dia certo para acontecer e estavam sujeitas a sol e chuva. Nos supermercados, a oferta desse produtos era bem pífia.

No Quitanda, em Pinheiros, consumidores têm assessoria especializada de “sommeliers” e funcionários treinados para escolher seus vinhos, frutas e legumes

Foto: Gabriel Machado

 

Foi naquele ano que a prefeitura fez uma parceria com feirantes da cidade e criou o Sacolão da Saúde: um galpão onde feirantes ofereceriam todos os dias da semana os produtos da feira.

“A proposta era ser uma feira fixa e coberta. O preço era único. Não lembro mais a moeda da época, mas era o equivalente a US$ 0,35 centavos o quilo de qualquer produto”, recorda Julio Aoki, um dos feirantes parceiros da prefeitura.

Com o tempo, o “Sacolão da Saúde” se desvinculou da administração municipal e passou a cobrar preços diferentes para cada item. A ideia foi se replicando e vários deles surgiram por todo País. Aoki, por exemplo, hoje é um dos donos do sacolão Da Santa, o que faz jantares de harmonização com vinhos importados.

Mas como essas empresas passaram de meras feiras cobertas para lugares sofisticados como o Quitanda, em Pinheiros, onde os consumidores têm até assessoria especializada de “sommeliers” e funcionários treinados para escolher seus vinhos, frutas e legumes?

 

Foi um processo que aconteceu em fases, lembra Ricardo Costa, fundador e diretor do Quitanda. Primeiro, nos anos 2000, esses sacolões agregaram serviços como o de padaria, açougue, peixaria e até floricultura. Em seguida, abriram espaço para itens industrializados, como produtos de limpeza e outros produtos de supermercado.

 

Mas esse último salto – o de sofisticar a ponto de aumentar o mix de produtos para 8 mil itens diferentes (há dez anos esse número era, na média, algo em torno de 2 mil) – é recente. Começou pouco antes da pandemia e está no ápice agora.

Fábio Amorim, presidente da Rede Hortifruti Natural da Terra Foto: Bruno Creste/Pop Filmes

 

“O canal de vendas se sofisticou porque o cliente está mais exigente”, explica Fábio Amorim, presidente da Rede Hortifruti Natural da Terra. E o hortifrúti tem muito a ver com gastronomia. “Nos últimos anos o gosto das pessoas por comer bem, cozinhar deu um salto muito grande e os hortifrútis tiveram de acompanhar”, acrescenta Costa.

Aoki concorda e acrescenta: tem a concorrência também. “A gente precisou se mexer para concorrer com os supermercados”, diz ele.

Só que essa “mexida” foi bem mais além, segundo Alexandre Rodrigues Lopes, um dos donos das lojas Pomar da Vila, com cinco unidades em São Paulo. “A gente precisou peitar os super e hipermercados sem perder o conforto que a gente dá para o cliente. Ao contrário, a gente aumentou o conforto. O consumidor vem aqui, compra tudo que precisa, com qualidade, se sente bem atendido e não perde tempo. Já os hipermercados perderam a briga e estão falindo”, afirma.

No Pomar da Vila, o segredo, segundo Lopes, é ter um profissional comprador para cada tipo de produto. “Ele experimenta as frutas, as verduras dos fornecedores, para garantir a qualidade antes de fechar o abastecimento da loja”.

A conta fecha?

A complexidade de administrar um sacolão é bem alta, segundo Costa, do Quitanda. São muitos fornecedores e a qualidade dos produtos é central nesse ramo. “Num supermercado, 80% das vendas é de produtos industrializados. Num varejão, os industrializados são 30%. A gestão de produtos tão perecíveis e que mudam de sabor, tamanho e cor conforme a estação, o clima, é muito mais difícil”, afirma.

É aí que a sofisticação ajuda, segundo Cecília Troiano, sócia-diretora da TroianoBranding. “Quando a loja abraça o cliente como esse canal de venda faz, esse conceito de glamour, de sofisticação se transfere também para os produtos. O consumidor confia, fica mais seguro de que aquele é o melhor tomate, a melhor uva que ele pode comprar”, diz ela.

Mas o segredo para conta fechar é permitir que, por mais que a loja pareça classe A, ela também atenda o público classe B e até o C.

Os preços não podem ser tão altos que afastem esse cliente, diz Costa. “Se focássemos só em classe A, a conta não ia fechar. Precisamos do cliente que vá a loja sempre, não só de vez em quando. E ele não pode ter a sensação de que está torrando dinheiro. O que a gente quer é que ele pague por um produto que ele sabe que vai ter qualidade e que não estará podre no dia seguinte”, diz o executivo.

O Quitanda e o Pomar da Vila não revelam o quanto faturam. O Da Santa, que tem apenas uma loja, aumentou em 15% seu faturamento depois da última reforma, finalizada em dezembro de 2021. A receita, que foi de R$ 82 milhões no ano passado deve chegar a R$ 90 este ano.

Modelo que colou

Claro que nos bairros mais distantes muitos sacolões continuam “tradicionais” como as feiras cobertas dos anos 80. Mas o modelo com mais conforto colou e vem se multiplicando.

A rede Hortifruti Natural da Terra, por exemplo, se diz a maior varejista de hortifrutigranjeiros do Brasil, com 75 lojas em quatro Estados: Espírito Santo (onde a empresa começou), Rio de Janeiro, Minas Gerais, com a bandeira Hortifruti, e São Paulo, como Natural da Terra. São cerca de 6 mil trabalhadores e 2,2 milhões de clientes.

Hortifruti Natural da Terra tem 75 lojas em quatro Estados Foto: Bruno Creste,/Pop Filmes.

Nas lojas da rede, por exemplo, existe um sistema para borrifar permanentemente uma fina névoa de água sobre as verduras, para que permaneçam viçosas por mais tempo.

Em 2021, a receita líquida da empresa foi de R$ 1,53 bilhão. Esse foi o último dado divulgado antes da rede ter sido comprada pela Americanas S.A. por R$ 2,1 bilhões. Em recuperação judicial, a Americanas colocou o Hortifruti Natural da Terra à venda.

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Mas pode ser difícil que algum concorrente se interesse. A maioria prefere ter poucas lojas, como é o caso do Pomar da Vila, do Quitanda e do Da Santa. Como diz Costa, do Quitanda, é muito detalhe para cuidar.

https://www.estadao.com.br/economia/luzes-de-joalheria-vinhos-produtos-exoticos-como-os-sacoloes-se-sofisticaram-tanto/

 

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