Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
A afirmação do presidente Jair Bolsonaro de que, com o teto para a cobrança do ICMS aprovado pelo Congresso, o preço do litro da gasolina no posto cairá R$ 2 e o do diesel diminuirá R$ 1 tem um significado revelador. “Eu mesmo fiz a conta”, garantiu. De repente, o País descobre um presidente que conhece todos os componentes dos custos dos combustíveis e sabe determinar quanto cairá o preço caso este ou aquele item sofra tal ou qual alteração, coisa que ninguém no mercado hoje é capaz de estimar com tamanha precisão.
A única aritmética que Bolsonaro domina como poucos no País, no entanto, é a eleitoral. O presidente está obcecado com a alta dos combustíveis – determinada não pela tributação, mas pelas oscilações da cotação do petróleo no mercado internacional – porque é um dos principais fatores a impulsionar uma inflação que se tornou a principal ameaça à sua reeleição. Muito mais do que o sofrimento da população, é sua recondução ao cargo que o preocupa. Em sua luta obstinada, e até agora infrutífera, para reduzir o preço da gasolina, do diesel e do gás de cozinha, Bolsonaro ganhou no Congresso aliados igualmente preocupados com as urnas.
Assim, também o Senado aprovou o projeto de lei complementar que estabelece alíquota máxima de 17% para o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre itens considerados essenciais, como combustíveis, energia, telecomunicações e transporte coletivo. O projeto já tinha sido aprovado pela Câmara, mas, como sofreu alterações em sua tramitação no Senado, será reexaminado pelos deputados.
O ICMS é o principal tributo estadual, e entre alguns dos itens que terão sua alíquota limitada estão os que proporcionam as maiores receitas para os governos estaduais. Por isso, a proposta aprovada pelo Congresso vinha sofrendo grande resistência de governadores e secretários estaduais de Fazenda. Mesmo assim, esse vendaval de interesses eleitorais em que Bolsonaro transformou a questão dos preços dos combustíveis parece ter arrastado todos, até o Senado, cujo papel constitucional é o de representar os Estados e o Distrito Federal para assegurar o equilíbrio federativo.
É do interesse do crescimento econômico, reconheça-se, a redução da tributação excessiva que incide sobre insumos essenciais, sobretudo a energia elétrica. Em alguns Estados, na prática da cobrança chamada “por dentro”, em que o tributo incide sobre si mesmo, a alíquota real sobre energia pode chegar a 34%, embora nominalmente não passe de 27%. Desse modo, a energia pode representar mais de um terço do preço final de produtos essenciais, como o pãozinho. A incidência do ICMS é muito alta também sobre combustíveis.
São dados que necessariamente devem fazer parte de qualquer estudo ou proposta de reforma do sistema tributário. Mas não é com a modernização da economia que o presidente está preocupado quando ataca a tributação estadual sobre combustíveis. Quer apenas ganhar popularidade com sua luta contra a alta da gasolina.
Como em outras ocasiões, Bolsonaro transferiu responsabilidades. Já culpou a Petrobras pela “insensibilidade” de sua política de preços baseada no comportamento do mercado mundial de petróleo e derivados. Também “insensíveis” são os governadores que não reduziram por iniciativa própria o ICMS dos combustíveis, e agora serão obrigados a fazê-lo por lei.
Mas a redução do ICMS terá implicações pesadas. Os governadores falam em perdas de receita de mais de R$ 100 bilhões. Qualquer que seja o montante, a queda de arrecadação afetará a capacidade financeira dos Estados e dos municípios para executar seus programas em áreas vitais para a população, como saúde, segurança e educação. Para o governo federal, o impacto fiscal só neste ano está estimado em R$ 46,4 bilhões.
Já o efeito sobre o preço da gasolina poderá não ser nada do que foi calculado com precisão por Bolsonaro. Mas, se não for, ele já sabe o que fará: dirá que a culpa é do dono do posto, do governador ou de qualquer um, nunca dele.
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