04 de outubro, 2024

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O realismo do Copom

Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Notas&Informações, O Estado de S.Paulo

Com o maior juro real entre 40 economias emergentes e ricas, o Brasil continuará sujeito ao arrocho monetário até haver um claro recuo da inflação, avisou o Copom, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (BC). O juro real, diferença entre a taxa básica e a inflação prevista, está em cerca de 8%. Crédito caro será um dos entraves enfrentados pelo presidente eleito, no início de mandato, na tentativa de impulsionar o crescimento econômico e a expansão do emprego. Depois de 12 altas consecutivas, o BC interrompeu os aumentos e manteve em 13,75% a taxa básica de juros, a Selic, na reunião concluída ao anoitecer de quarta-feira. Dois dos nove membros do comitê defenderam mais um ajuste de 0,25 ponto porcentual. Embora vencidos na deliberação final, também sua atuação pode valer como advertência: ninguém deve esperar para breve um afrouxamento.

O Copom prometeu, ao anunciar a decisão sobre os juros, manter sua política até atingir dois objetivos, o recuo da inflação para perto da meta e a ancoragem das expectativas do mercado. O compromisso foi acompanhado de uma advertência: o comitê “não hesitará em retomar o ciclo de ajuste, caso o processo de desinflação não transcorra como esperado”.

Entre os sinais de perigo foi incluída, como em comunicados anteriores, a incerteza sobre o futuro do “arcabouço fiscal”, isto é, das contas públicas. Também foi mencionada a insegurança quanto a novos estímulos fiscais – como despesas e cortes de impostos – destinados a estimular o mercado. As medidas eleitoreiras com impacto nas contas do próximo ano já estão, obviamente, incluídas no cenário do BC. Falta conferir como o presidente eleito cuidará das finanças do governo, especialmente diante das perspectivas de uma forte desaceleração econômica no próximo ano.

A advertência está feita: juros altos serão mantidos enquanto a inflação for resistente, um novo aumento continua possível e a equipe do próximo governo, se tiver juízo, levará a sério a mensagem do Copom.

Também o quadro externo deverá dificultar um afrouxamento monetário no Brasil. No mundo rico, a inflação atingiu os níveis mais altos em décadas. O desarranjo dos preços tem contagiado a maior parte do mundo, incluído o Brasil. Além disso, os bancos centrais das maiores economias iniciaram a elevação de juros para frear a alta de preços. Isso afeta as condições globais de financiamento, altera os fluxos de capitais e mexe no câmbio, favorecendo, por exemplo, a valorização do dólar.

Na quarta-feira, antes de terminar a reunião do Copom, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) anunciou a elevação dos juros básicos para a faixa de 3% a 3,25%, com alta de 0,75 ponto porcentual. No dia seguinte o Banco da Inglaterra adicionou 0,5 ponto aos juros, aumentando-os para 2,25%. No dia 8 o Banco Central Europeu (BCE), depois de vários anos de política expansionista, havia alterado sua taxa principal de zero para 0,75%.

Diante desse quadro, os membros do Copom terão de ser especialmente cuidadosos no manejo da taxa básica de juros, principalmente se quiserem diminuir o arrocho. Poderão aumentar a taxa mais uma vez, se os preços continuarem muito desarranjados, mas até isso será complicado, se a atividade continuar insegura.

No mercado, os mais otimistas têm previsto redução dos juros a partir do segundo trimestre. Talvez estejam certos, mas o espaço de ação poderá ser muito limitado pelas condições financeiras internacionais e pelo câmbio. Qualquer decisão será perigosa, se provocar insegurança entre investidores e resultar em dólar sobrevalorizado. As avaliações dos investidores, convém ressaltar, dependerão também da condução das contas públicas. Os arroubos e improvisações do presidente Jair Bolsonaro têm sido grandes fatores de insegurança e de instabilidade cambial.

A inflação continuará influenciada pelas condições internacionais. O belicismo do presidente Vladimir Putin ainda causará problemas para o Copom. Mas já haverá uma alteração positiva, no Brasil, se o seu governo se mostrar menos tolerante e simpático aos surtos agressivos do dirigente russo.

 

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