Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
Enquanto o orçamento público é pressionado por todos os lados pela crise da covid-19, o governo quer uma verba de publicidade oficial para 2021 quase quatro vezes maior do que a de 2020. É um despropósito, tanto mais considerando o desempenho das campanhas de comunicação do Planalto durante a pandemia e as suspeitas que pairam sobre os seus critérios de distribuição de verbas publicitárias.
O cenário fiscal é de tempestade perfeita: queda da arrecadação, ruptura nas cadeias de produção e aumento do desemprego, combinados aos gastos emergenciais para conter a epidemia e mitigar a crise econômica e, claro, o crescimento crônico das despesas obrigatórias. O PIB cai, a dívida pública sobe e o teto de gastos está ameaçado, ao mesmo tempo que faltam recursos para investimentos e programas sociais.
Pela Proposta de Lei Orçamentária apresentada ao Congresso no último dia 31, os Ministérios deverão sofrer uma redução de R$ 81,8 bilhões em 2021. Apenas 3 das 16 pastas foram poupadas de cortes. O Ministério do Desenvolvimento Regional, responsável por programas de mobilidade urbana, defesa civil, saneamento e habitação, sofreu uma redução de 62,2%. No Ministério do Meio Ambiente, o corte previsto é de 34,8%; Educação, 28,7%; Agricultura, 21,6%; Justiça e Segurança Pública, 20,3%; Infraestrutura, 17,4%. Enquanto isso, o governo quer aumentar a verba para comunicação institucional em quase 300% – dos atuais R$ 124,5 milhões para R$ 495,5 milhões em 2021.
Poder-se-ia justificar o incremento excepcional pelo ineditismo da crise sanitária e a necessidade de promover campanhas de informação sobre a epidemia e as medidas emergenciais. Mas nada no histórico do governo justifica esta inferência. Praticamente a única campanha de expressão nacional lançada pelo Planalto em razão da pandemia – a famigerada O Brasil não pode parar – foi abortada pela Suprema Corte por atentar contra as medidas de contenção promovidas por governadores e prefeitos por recomendação de especialistas e cientistas.
Os recursos serão entregues ao Ministério das Comunicações – sob o comando de Fábio Faria (PSD), deputado do chamado Centrão –, criado em junho para priorizar a propaganda das realizações do governo antes que administrar o sistema de comunicações do País. A pasta incorporou a Secretaria de Comunicação (Secom), sob o comando de Fábio Wajngarten.
Atual secretário executivo das Comunicações, Wajngarten é investigado pela Polícia Federal e pelo Tribunal de Contas da União (TCU) por suspeita de favorecimento a clientes de sua empresa, a FW Comunicação, nos contratos de publicidade federal com TVs abertas. As receitas aumentaram para duas emissoras que pagam pelos serviços da FW, enquanto uma outra, líder de audiência, teve sua cota reduzida. Além disso, também houve expressivo direcionamento de recursos para TVs de igrejas que apoiaram a campanha eleitoral do presidente Jair Bolsonaro.
Em auditoria recente, o TCU constatou a total ausência de critérios técnicos na distribuição de verbas publicitárias do governo. Em julho, a Corte teve ainda de emitir uma constrangedora medida cautelar proibindo o Planalto de seguir destinando recursos de propaganda para sites envolvidos na divulgação de fake news, entre os quais plataformas dedicadas à pornografia, jogos de azar e, nada surpreendentemente, blogs de militantes bolsonaristas. Na mesma época, sob ameaça de nova investigação da Corte, o governo se viu obrigado a revogar um repasse de R$ 83,9 milhões para a Secom que viriam de nada menos que dos recursos do Bolsa Família.
O Planalto faria bem em lembrar uma das regras de ouro dos grandes escritores e publicistas: show, don’t tell – mostre, não fale. Se realizar o seu trabalho com probidade e eficiência, não haverá necessidade de turbinar sua comunicação. Bastará mostrar serviço e a visibilidade pública virá naturalmente. O Congresso, por sua vez, precisa mostrar serviço barrando este aumento despropositado.
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