O premiê israelense comunica-se muito melhor e administra bem a economia.
*ROBERTO MACEDO, O Estado de S.Paulo
A última edição da revista semanal The Economist tem na capa o premiê israelense, Binyamin Netanyahu, ali chamado de King (rei) Bibi (o apelido dele) e apontado como um populista moderno. A revista dedica-lhe o editorial principal, de uma página, e mais três delas na seção Briefing, que inclui um resumo de sua vida política.
Vale lembrar que mesmo chamada The Economist, não é uma revista só para economistas ou tem seu interesse centrado em questões econômicas. Cobre também outros temas, em que se destacam política, ciência e tecnologia, todos abordados numa perspectiva internacional. Criada em 1843, é tida como a revista mais importante nesse âmbito, com circulação perto de 1,1 milhão de exemplares por semana.
Netanyahu é uma personalidade internacional como líder de um país que se estende com sua comunidade judaica de grande penetração internacional e de sólido status educacional, financeiro, científico e tecnológico, entre outros aspectos. Mas Israel está numa região conturbada, onde disputa território com a Palestina e a Síria, tendo também palestinos como cidadãos e a vizinhança de países árabes potencialmente perigosos, em razão do que sua segurança é prioridade nacional. Netanyahu também tem luz própria como hábil gestor e líder político, em particular agora que o populismo alcançou dimensão internacional e ele é um de seus expoentes.
O destaque que lhe deu a revista foi também porque no próximo dia 9 ele buscará a reeleição. Além de populistas, há outras semelhanças entre Bolsonaro e Netanyahu. O editorial da revista diz que este é chamado por seus devotos de “O Mágico”, “O Vencedor” e até de “Rei de Israel”. Bolsonaro não chega a tanto, mas é reverenciado por adeptos como “Mito”. Acho que eles deveriam refletir sobre isso, pois essa palavra é também sinônimo de algo inverídico, ou mesmo uma mentira. Os dois também são conhecidos por seus ataques à imprensa e a inimigos políticos.
Nas diferenças, Netanyahu é mais velho e muito mais experiente. Nasceu em 1949 e já chegou ou está chegando aos 70 anos. É premiê do seu país desde 2009 e já o foi também entre 1996 e 1999. Bolsonaro tem 64 anos e foi deputado federal de 1990 a 2018, sem maior destaque entre seus pares. Mas soube capturar a oportunidade de uma onda de desalento dos eleitores com os políticos tradicionais e o PT, chegando a presidente da República em 1.º de janeiro último.
Hostiliza a “velha política”, mas política não tem idade e o que interessa é se é boa ou má. Se os israelenses toleraram Netanyahu por tanto tempo como primeiro-ministro – e no regime parlamentarista, em que é mais fácil cair do posto –, é porque teve sustentação popular. Bolsonaro está apanhando no cargo, pois não consegue praticar a boa política, a do entendimento para buscar soluções adequadas para os sérios problemas que o País enfrenta.
Poderia aproveitar algumas lições de Netanyahu, começando pela comunicação. O citadoBriefing narra logo no início um episódio de sua carreira, quando era um jovem diplomata de seu país atuando nos EUA e foi chamado por um alto funcionário do governo americano para explicar por que tanques israelenses estavam invadindo o Líbano. O funcionário destratou-o. Quando saiu, e teve de falar aos repórteres que o aguardavam, não soube o que dizer. Depois disso, empenhou-se assiduamente em aprimorar suas “habilidades de comunicação, de cujo domínio um político moderno se beneficia tanto”. E tornou-se um orador eloquente.
Mas a habilidade de comunicação também pressupõe o conhecimento dos temas abordados. Bolsonaro é um falastrão que não reflete bem sobre o que fala e suas consequências. Ainda agora veio com a ridícula conversa do “nazismo de esquerda” e falou bobagem sobre o recente aumento do desemprego, cuja causa principal é que um grande contingente de pessoas que não trabalhavam se viu desalentado com as más condições do mercado de trabalho e não procurava emprego, mas recentemente elas passaram a fazê-lo e foram contadas como desempregadas, daí o índice subiu. Bolsonaro disse “ser uma coisa que não mede a realidade”. Mede, sim, pois vem de pesquisa domiciliar e segue metodologia adotada internacionalmente. Bolsonaro poderia ter aproveitado o resultado em seu benefício, dizendo que ele trouxe a perspectiva de melhoria da economia, o que encorajou as pessoas a procurar trabalho.
Bolsonaro também precisa mirar 2022, quando será julgado pelo que prometeu: a efetiva recuperação da economia. Também aí poderia aconselhar-se com Netanyahu. A revista diz que ele “manteve Israel próspero” e, mais à frente, que no governo “congelou o gasto público, cortou a burocracia e reduziu impostos. Ativos estatais… foram privatizados. Logo em seguida, o desemprego caiu e o PIB por habitante aumentou. O setor de tecnologia do país se tornou motivo de inveja para quase todos os que o observam”.
A revista também publica indicadores econômicos e financeiros de 42 países. Vejamos os do Brasil, com os correspondentes de Israel entre parênteses: o PIB do ano passado cresceu 1,1% (2,8%) e a previsão para este ano é de 2,5% (3,1%), mas já sabemos que caiu para 2%; a inflação para o consumidor prevista para 2019 é de 3,8% (1,2%); taxa de desemprego, 12% (4,1%); o déficit fiscal ou final do governo, estimado para 2019, é de -5,7% (-3,7%). E a taxa de juros anual para títulos de dez anos do governo é de 7,3% (1,8%). Os números de Israel são todos melhores que os do Brasil.
A revista aponta que há o risco de Netanyahu não se reeleger. Mas se perder não será por causa da economia. Para Bolsonaro a economia será a questão fundamental em 2022. Portanto, presidente, mexa-se com a boa política em busca de bons resultados. Não há tempo a perder.
*ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR
Hoje eles não falam em pular do barco, mas em dar um jeito de dirigi-lo. Nesses círculos, que abrangem o mundo financeiro, industrial, de serviços e empresarial, Bolsonaro está se arriscando a provocar uma irreversível estupefação negativa. São setores que já em boa medida cessaram de ver nele o homem “que resolve”, para enxergar nele o “errático”, insuportavelmente viciado em redes sociais e polêmicas inúteis, que precisa “ser levado” a resolver. Essas elites nem sempre conseguem andar adiante dos acontecimentos, mas é inegável seu grau de influência.
A credibilidade e a confiança tão essenciais para qualquer governo estão hoje se deslocando sensivelmente da figura do “mito” em direção aos núcleos militar, econômico e da Justiça, com poucas figuras realmente de peso no mundo da política que o governo possa chamar de suas. E episódios como a bagunça no MEC e as tiradas do chanceler, reiteradas pelo próprio presidente, produzem situações de ridículo, talvez o mais poderoso ácido corrosivo da imagem de quem precisa ser levado a sério para governar.
Agora que ficamos sabendo, por exemplo, que Joseph Goebbels foi um esquerdista, vale a pena então lembrar uma frase celebremente atribuída a ele, a de que uma mentira repetida mil vezes vira uma verdade. No caso de cretinices, como a de dizer que o nazismo foi um movimento esquerdista, é diferente. Uma cretinice repetida mil vezes só vira uma cretinice ainda maior.
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