O Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu, por maioria de votos, a validade de alguns dispositivos de decretos do presidente Jair Bolsonaro que facilitaram a compra e o porte de armas de fogo e munições. É ótimo que a Corte tenha se posicionado firmemente sobre uma questão de grande interesse público, sobretudo neste momento de recrudescimento da violência política no País. A liberdade individual assegurada pela Constituição não abarca a compra de verdadeiros arsenais pelos cidadãos. Mas, na prática, a decisão de frear o armamento da população funciona como um cadeado em uma porta que já foi arrombada.
Estima-se que cerca de 1 milhão de armas de fogo, dos mais diversos calibres, inclusive armas de uso restrito das Forças Armadas e das Polícias, estejam em poder de Caçadores, Atiradores Desportivos e Colecionadores (CACs). Esse número é três vezes maior do que era em 2018, quando Bolsonaro foi eleito. O presidente da República, não é segredo para ninguém, está empenhado em armar a população até os dentes desde que tomou posse. E a facilitação da emissão dos certificados CACs é um dos caminhos adotados pelo chefe do Executivo.
Bolsonaro costuma alegar que “o cidadão armado pode se defender contra a violência”, seja no campo ou na cidade, e “não se submete a tiranos”. Ambos os argumentos são absolutamente falaciosos. Estatísticas das Secretarias Estaduais de Segurança Pública e estudos de organizações da sociedade civil, como os institutos Sou da Paz e Igarapé, mostram que cidadãos armados têm muito mais probabilidade de morrer durante uma abordagem de criminosos.
Já em relação à “proteção contra tiranos”, se há, de fato, alguma ameaça autoritária que paira sobre os brasileiros, é a eventual reeleição de Bolsonaro, alguém cronicamente insubmisso às leis e à Constituição. Portanto, manter à distância de um comando seu esse enorme contingente de apoiadores armados é muito conveniente para um líder com forte pendor para sobrepor suas vontades ao ordenamento jurídico do País.
Ainda mais grave do que a política oficial de facilitação do acesso a armas de fogo pelos cidadãos é o total descontrole sobre o paradeiro de todas essas armas, a começar pelo fato de que certificados CACs têm sido emitidos pelo Exército sem o devido controle.
Em resposta à Controladoria-Geral da União, o Exército também admitiu há poucos dias que não tem condições de mapear quantas armas estão em poder de CACs em todo o Brasil. A justificativa dos militares chega a ser mais espantosa do que o fato em si: o Exército, que se empenhou em montar uma numerosa força-tarefa para fiscalizar urnas eletrônicas – função estranha às Forças Armadas –, não teria como mobilizar 12 homens durante 180 dias para compor uma força-tarefa para realizar esse levantamento – que deveria ser prioritário para os militares.
O próximo governo deverá colocar em seu rol de prioridades tanto a retomada do controle de armamentos em circulação no País como o lançamento de uma campanha de estímulo à entrega voluntária dessas armas, nos moldes da Campanha Nacional de Desarmamento (2011-2012). Ninguém está seguro com tantas armas longe do controle do Estado.
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