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Emitir moeda para cobrir o rombo fiscal?

Celso Ming, O Estado de S.Paulo

19 de novembro de 2020 | 18h08

O economista Raul Velloso, respeitado especialista em Contas Públicas, passou a defender velho expediente usado pelos chefes de Estado em situações de guerra: a pura e simples emissão de moeda para alimentar o Tesouro.

Essa emissão de moeda viria para substituir novas emissões de títulos de dívida no financiamento de despesas com auxílios emergenciais para enfrentar a pandemia, como sugeriu Velloso em entrevista ao jornal Valor Econômico de 18 de novembro. Também cobriria investimentos públicos para relançar a atividade econômica, hoje prostrada pelo rombo fiscal.

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Velloso afirma com todas as letras que essas emissões de moeda não provocariam aumento da inflação. E porque são uma dívida pública que não cobra juros, também não aumentariam o passivo em títulos do Tesouro que adviesse da incorporação dos juros ao principal. Se tantos países já fazem isso, pergunta ele, por que o Brasil deveria continuar seguindo rigidamente a ortodoxia monetária?

Um discurso desses é mamão com açúcar para o governo Bolsonaro, que faz de tudo para refugar a exigência do teto dos gastos e que quer mais recursos para distribuir à população carente e, assim, encorpar seu cacife eleitoral.

Foto: Emissão de moeda em situações especiais foi proposta do guru do monetarismo, Milton Friedman Foto: Raphael Ribeiro/BCB

Antes de prosseguir, algumas considerações. Quem primeiro recomendou “lançar dinheiro de helicóptero” em situações especiais – como para enfrentar grandes crises – não foi ninguém menos que o guru do monetarismo e da Escola de Chicago, Prêmio Nobel de Economia (1976), Milton Friedman. Foi também o que em 2008 repetiu para justificar suas emissões o então presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), Ben Bernanke.

No Brasil, postura semelhante do Banco Central vem sendo defendida por um dos pais do Plano Real, o economista André Lara Resende. Para ele, a velha ordem monetária ruiu e, em seu lugar, deve ser adotada a Teoria Monetária Moderna (MMT, na sigla em inglês). Um dos pressupostos dessa teoria é o de que a inflação não é o resultado da expansão de moeda, mas das expectativas do mercado. Se as expectativas de inflação estão bem ancoradas, não há razões especiais para a disparada dos preços.

Como consequência desse ponto de vista, além de sacrificar demais a população, as políticas baseadas na austeridade fiscal são burras e desnecessárias. E a dívida pública poderia perfeitamente ser rolada com base em prazos mais dilatados (substituição de dívida de curto prazo por dívida de longo prazo) para evitar o alastramento da desconfiança. Finalmente, os juros poderiam permanecer muito baixos e, nessas condições, deixariam de ser fator de aumento da dívida pública e, portanto, de fuga de capitais.

Quando afirmou no dia 10 que uma excessiva expansão da dívida poderia conduzir rapidamente à hiperinflação e que, se houver uma segunda onda da pandemia de covid-19, será necessário distribuir nova rodada de ajudas emergenciais, o ministro da Economia, Paulo Guedes, um dos discípulos da Escola de Chicago, parece inclinado, em situações extremas, a um despejo de moeda “por helicóptero”.

A questão central é a de que a MMT se baseia em expectativas bem ancoradas, portanto num fator psicossocial que depende da confiança na política econômica e nos rumos da economia. Como o Brasil é terra de enforcados, falar em corda ou até não falar nela não deixa de ser problema.

E temos o que aconteceu nos últimos meses. Bastou a distribuição de auxílio emergencial para que se produzisse um estouro na demanda de alimentos e de materiais de construção. E a inflação, que parecia desmaiada, voltou a se pôr em pé.

Não basta argumentar que isso apenas aconteceu porque houve momentânea desorganização da oferta (desencontro de estoques) e desconsiderar o efeito do excesso de moeda.

Nos países em que, apesar da forte emissão de moeda, a inflação se mantém em torno de zero e 2% ao ano, além de forte confiança, houve e continua a haver grande “empoçamento” de liquidez. Ou seja, os recursos não circulam e não se multiplicam a ponto de produzir grande expansão de demanda – até porque as incertezas em relação ao futuro e à quebra de patrimônio pelos juros em torno de zero induziram o consumidor a não se atirar às compras.

Enfim, a economia brasileira teria de ganhar muito mais saúde e musculatura antes de adotar essas novidades.

*CELSO MING É COMENTARISTA DE ECONOMIA

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