Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
Permanece o risco de inflação elevada em 2023, mesmo com a possível instalação, em janeiro, de um governo menos incompetente e menos irresponsável que o atual. O novo governo terá de lidar com a desastrosa herança deixada pelo presidente Jair Bolsonaro e seus companheiros. Não se deve esperar, portanto, uma redução veloz dos juros nos próximos 12 meses, se o Banco Central (BC) for fiel ao compromisso de levar a inflação à meta, ou à sua vizinhança, no “horizonte relevante”, isto é, até o começo de 2024. Diante de pressões inflacionárias ainda fortes no Brasil e de um quadro internacional mais incerto, a estratégia impõe, agora, um aperto maior das condições de financiamento. Depois de elevar os juros básicos de 13,25% para 13,75% ao ano, na quarta-feira, o Copom, Comitê de Política Monetária do BC, já alertou para mais um provável aumento, “de menor magnitude”, em setembro.
A alta recém-anunciada foi a 12.ª a partir do nível de 2%, em vigor em março de 2021. Com o próximo ajuste, a taxa básica de juros, a Selic, deverá chegar a 14%, retornando ao patamar de outubro de 2016, quando começava a recuar a inflação deixada pela administração da presidente Dilma Rousseff. A diferença, agora, é a tentativa do Copom de avançar no conserto enquanto o presidente da República e seus associados cometem os desmandos.
Ganham maior peso, neste momento, as advertências costumeiras do Copom sobre a insegurança das contas públicas, prejudicadas pelo excesso de gastos e por benefícios tributários improvisados. O desarranjo das finanças federais, importante fator da alta de preços, é também notado, no dia a dia, como causa de fuga de capitais e de valorização do dólar. Segundo a nota do BC, é preciso levar em conta, além da “incerteza sobre o futuro do arcabouço fiscal”, certos “estímulos fiscais adicionais”.
O alerta, nesse caso, aponta para jogadas eleitoreiras, como o aumento do Auxílio Brasil – por enquanto válido até o fim do ano, isto é, até pouco depois da eleição – e para medidas de improviso para atenuar a alta de preços dos combustíveis. Mas o aumento do Auxílio dificilmente será revertido em 2023, seja quem for o presidente eleito. Essas e outras bondades continuarão pesando nas contas federais e, em alguns casos, também nas estaduais e municipais.
Ninguém nega os desmandos, embora alguns tentem justificá-los. O ministro da Economia, Paulo Guedes, admitiu a violação do teto de gastos, necessária, segundo ele, para uma ajuda aos mais vulneráveis num momento de emergência. Mas o argumento da emergência é uma invenção para facilitar benefícios oportunistas nesta fase pré-eleitoral.
Não se pode falar de novo surto de covid-19, embora a doença ainda ameace os brasileiros, nem de uma piora repentina das condições econômicas, apesar do quadro internacional desfavorável. O desemprego continua alto, mas diminuiu nos últimos meses, e os desajustes econômicos já estavam presentes no primeiro semestre e, em grande parte, no ano passado. O poder federal continua sendo o aliado principal da inflação e é absolutamente falacioso, portanto, o argumento da emergência para justificar o manejo irresponsável das contas públicas.
Talvez se possa qualificar a gestão do presidente Jair Bolsonaro como emergência nacional, mas essa emergência já dura quase quatro anos. Em vez de buscar pretextos para disfarçar desatinos, o ministro da Economia deveria – se estivesse disposto, de repente, a servir mais ao País do que ao chefe – tentar evitar, nos próximos meses, novas imprudências na área fiscal. Dificilmente poderá reduzir ou compensar os danos já provocados, mas qualquer cuidado no exercício de sua função, até o fim do ano, será um ganho para os brasileiros. Ou, mais precisamente, para a maioria deles, porque há, no mercado, quem considere um sucesso um crescimento econômico próximo de 2%, com inflação vizinha de 7% no fim do ano e desemprego em torno de 9%. O mercado, no entanto, tem elevado as projeções de inflação para 2023, um desafio já incluído na pauta do Copom.
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