Raquel Branquinho Nascimento*
No domingo, dia 29 de março, nós, brasileiros, contribuintes, nos deparamos com várias notícias com os seguintes títulos ”Sesc/Senac pode demitir 10 mil em todo o país”; Sesc/Senac fecha vagas; “Corte e verba pode fechar 256 unidades do Sesc e Senac”; “Corte na arrecadação do Sesc/Senac pode causar demissão de mais de 10 mil”, em razão da crise econômica e de arrecadação causada pela pandemia da “covid-19”.
É consenso entre especialistas não apenas da área de saúde que o mundo vive uma crise sem precedentes na história recente e que medidas de isolamento social são imprescindíveis para deter o avanço do vírus Sars-Cov-2 e impedir o colapso dos sistemas de saúde dos países afetados.
No Brasil, país que ocupava, até recentemente, o posto da oitava economia mundial, mas que tem como desafio superar a desonrosa sétima posição no ranking dos países com maior desigualdade social, as consequências dessa crise são observadas e sentidas por cada um de nós, brasileiros, seja diretamente, ou no nosso convívio familiar e social.
O Governo e o Congresso Nacional anunciaram medidas econômicas e sociais necessárias para minimizar os efeitos dessa grave crise de saúde pública com fortes impactos econômicos e sociais e que, sem sombra de dúvidas, impactarão no orçamento fiscal dos entes federativos.
Na contramão desse movimento, entidades que compõem o chamado “Sistema S”, justamente no momento em que devem dar a sua contribuição ao país em razão dos recursos públicos que arrecadam por uma liberalidade do próprio Estado, anunciam fechamento de unidades nos municípios e demissão em massa de empregados.
É necessário que a sociedade saiba que o chamado “Sistema S”, que se organiza pela reunião de entidades privadas de interesse de categorias profissionais e que se divide por setores da economia na forma de federação e confederação, são beneficiárias das chamadas contribuições parafiscais e possuem percentual de arrecadação sobre a folha salarial dos trabalhadores brasileiros.
Não dispõem essas entidades de uma fonte de informação segura à sociedade, seguindo a diretriz da Lei de Acesso à Informação, sobre a arrecadação e a aplicação desses recursos de natureza pública, recolhidos de forma coercitiva pelo Estado e disponibilizados a esses grupos de organismos socioeconômicos.
Para se contextualizar o vulto dessa arrecadação, levantamento de auditoria do Tribunal de Contas da União nos autos do processo TC 011.750/2017-0 apontou que, apenas no ano de 2016, essas entidades tiveram orçamentos de R$32,2 bilhões, sendo que 65,13%, ou seja, R$21,2 bilhões, recursos gerados pelos tributos arrecadados e o restante pela exploração de atividades econômicas e financeiras. Isso, sem falar no patrimônio acumulado ao longo do tempo em razão dos tributos arrecadados e da riqueza patrimonial gerada.
É necessário também que se diga que a criação desses organismos e de suas fontes de receita remonta à década de 40 do século passado, em um momento em que o ordenamento jurídico-constitucional brasileiro não contemplava a obrigatoriedade de o Estado brasileiro prestar serviços essenciais à sociedade. A Constituição Federal de 1988 inseriu os direitos sociais no capítulo dos direitos fundamentais e, portanto, constituem obrigação e dever do Estado em contrapartida à arrecadação tributária.
Nesse contexto e à luz das manchetes que traduzem decisões já tomadas ou em curso por essas entidades em razão da crise ora vivenciada no país e no mundo, surgem várias indagações e que devem ser objeto de análise por todos:
– justifica-se a manutenção desse sistema de renúncia fiscal pelo Estado brasileiro sem o mínimo controle e acompanhamento dos gastos e da forma de emprego desses vultosos valores?
– justifica-se que, tendo acumulado, ao longo de anos, um patrimônio expressivo em razão da arrecadação de tributo para aplicação em fins sociais, mesmo em se tratando de entidades de natureza privada, o sistema Sesc-Senac, dentre outras, no momento em que o país mais necessita de uma rede de proteção aos menos favorecidos, adote medidas de fechamento de unidades e dispensa em massa de empregados, agravando a crise?
– E o acúmulo do dinheiro arrecadado e as riquezas geradas, pertencem a quem, às entidades privadas ou Estado brasileiro, que optou pelo regime de renúncia fiscal em prol de um interesse social e coletivo?
*Raquel Branquinho Nascimento é procuradora regional da República. Atuou em processos envolvendo a aplicação de recursos arrecadados do Sistema S, tanto como integrante da Câmara de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal (5CCR) quanto em assessoramento da Procuradoria-Geral da República. Sempre defendeu que, por gerirem recursos de natureza pública, as entidades deveriam submeter-se às regras constitucionais e transparência e controle
Foto: Raquel Branquinho. FOTO: CELSO JUNIOR/ESTADÃO
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